PESQUISADORA: HISTÓRIA DE MADRE MAURINA É A MAIS
EMBLEMÁTICA DA DITADURA
São Paulo – A história
da madre Maurina Borges da Silveira, que foi presa, torturada e
estuprada durante a ditadura militar (1964-1985), é a mais
emblemática desse período. A avaliação
é de Denise Assis, jornalista e pesquisadora da vida
da madre, autora do livro de ficção Imaculada
(Topbooks).
“[A história de madre Maurina] envolveu
todas as instituições, todos os sentimentos, toda
a dignidade feminina, toda a dignidade da sociedade”, disse
Denise, durante audiência pública ocorrida no fim da
tarde de segunda-feira (21 de outubro) na Assembleia Legislativa
paulista, e que reuniu parentes, jornalistas e ex-presos políticos
para tentar recontar a história da madre.
Madre Maurina era diretora do Lar Santana, um
orfanato para meninas em Ribeirão Preto, interior de São
Paulo, e foi presa no dia 25 de outubro de 1969, acusada de acobertar
militantes da Frente Armada de Libertação Nacional
(Faln), que se reuniam e imprimiam material, considerado subversivo
à época, no porão do Lar Santana. Mas a madre
não sabia que o grupo, que ocupava o porão do orfanato,
era formado por militantes políticos.
“Quando ela chegou para dirigir o orfanato,
já havia um grupo de jovens que ocupavam uma sala para discussão.
E dentro desse grupo havia um grupo revolucionário. Quando
as pessoas desse grupo revolucionário começaram a
ser presas, houve uma conexão com a irmã Maurina,
e ela também foi presa. Ela era inocente, não sabia
o que estava acontecendo. Foi presa porque, quando percebeu que
os rapazes começaram a ser presos, foi ver que material era
aquele que havia no porão, naquela sala. Como achou que aquilo
poderia comprometer muitas pessoas, ela acabou queimando o material.
E esse foi o grande crime da irmã Maurina: ela queimou o
material que seria uma prova [para os militares]”, disse a
também jornalista Matilda Leone, autora do livro Sombras
da Repressão – O Outono de Maurina Borges.
Depois de presa, madre Maurina foi torturada,
sendo submetida a sessões no pau de arara e a choque elétrico.
“Ela foi estuprada”, relatou Áurea Morete Pires,
que esteve presa com a madre. Segundo Áurea, a madre nunca
confirmou os estupros. “Mas, quando ela voltava [para a cela],
sempre voltava chorando muito”, disse, em depoimento à
Comissão da Verdade de São Paulo.
A história da madre, que morreu em março
de 2011, causa ainda muitas dúvidas. Entre elas, se realmente
ficou grávida de um torturador. “Eu estive com ela
e não acredito que tenha sido estuprada”, declarou
o frei Manoel Borges da Silveira, irmão da madre Maurina,
em entrevista à Agência Brasil. Para ele, madre Maurina
assumiu “esse sofrimento”, os estupros que aconteciam
com outras presas, “como se fosse uma coisa sua”.
A jornalista Denise Assis disse que certa vez,
por telefone, a madre assumiu ter sido estuprada, mas negou a gravidez.
“A senhora foi estuprada? A senhora engravidou?, perguntei
a ela por telefone. Ela [a madre] fez uma pausa e disse que isso
aconteceu [o estupro]. Mas declarou ter pedido muito a Deus para
que isso não tivesse consequências. Eu então
perguntei se confirmava o estupro. Ela disse sim, mas não
a gravidez”, relatou Denise.
“Ela foi realmente estuprada. Quanto à
gravidez, muitas pessoas falaram sobre isso. De onde surgiu essa
história? Em todos os setores e com todas as pessoas com
que conversei, falaram dessa gravidez. E é algo que não
ficou provado”, disse Matilde Leone.
Depois de passar cinco meses na prisão,
madre Maurina foi extraditada para o México, em março
de 1970, em troca do cônsul japonês Nokuo Okuchi, sequestrado
por militantes de esquerda. Ela ficou 15 anos fora do país,
voltando em 1985.
Para Matilde Leone, há muitas questões
que ainda precisam ser investigadas sobre a história da madre
Maurina. “Essa questão do filho ou do aborto é
uma questão que a Comissão da Verdade poderia investigar.
Isso faz parte dos desmandos e da crueldade da época. Isso
faz parte da história. Se ela fez um aborto ou foi forçada
a fazer um aborto, o que realmente aconteceu com a irmã Maurina?
Por que houve esse silêncio e essa proibição
em torno dela para que ela não contasse alguma coisa? Por
que esconder?”, disse Matilde.
Para o deputado estadual Adriano Diogo, presidente
da comissão, o fato de existirem dois livros sobre a madre,
ambos ficcionais, mostra que a história dela ainda precisa
ser elucidada. “Dois livros foram apresentados hoje. E os
dois livros são ficcionais. A ditadura foi tão brutal
que, se não forem trazidos depoimentos na primeira pessoa,
e se não se trouxer [a história] na forma ficcional,
as pessoas não acreditam que houve toda essa barbaridade”,
declarou a jornalistas.
“A Comissão da Verdade tem três
níveis: memória, verdade e justiça. Mas só
estamos na memória, nas vítimas. Ainda não
chegamos na verdade. E a justiça não sei se vai acontecer”,
ressaltou o deputado.
Publicado pelo Correio Braziliense em
21.10.2013
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