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POR QUE "A BALADA NO CÁRCERE" É BOM

O livro é de autoria de Bruno Tolentino, mas o que há num nome?
O que importa são os poemas

Daniel Piza

Esqueçam os poetas. Estamos com sede de poesia. Esqueçam as classificações. Precisamos de criadores. Bruno Tolentino é conhecido por amizades com escritores famosos, por revistas que dirigiu, por ter estado preso, por ter morado em diversos países, por polêmicas que vem mantendo com pessoas que confundem vanguarda com vantagem e só querem saber de contá-la em vez de produzir poesia, "poiesis", "Dichten", arte. Mas esqueçam Bruno Tolentino. E leiam "A balada do cárcere" (Topbooks), seu melhor livro.

Havia muitos anos um livro de poemas de tal qualidade não era publicado nos tristes trópicos. É de vanguarda ou tradicionalista? É romântico ou moderno? É moderno ou pós-moderno? Esqueçam as respostas. O que nos está fazendo falta são as perguntas. "Pobre infeliz! Nunca tem mais que a bruma e, aflita, / só entre assombrações, / sua alma pavoneia-se, torna-se gralha, imita / os gritos do pavão ciscando entre os pinhões. / Se um som assim te irrita,/ leitor, fecha este livro e vai ouvir canções..." Pobre é aquele que, por prestar atenção a tantos discursos, não consegue ouvir essas sons.

O que essa poesia nos dá? Nos dá imagens, metáforas, símiles que misturam concreto e abstração, luz e sombra, figura e fundo, sugerindo o "chiaroscuro" sofrido da prisão. "Os pântanos do ser", "exaustas de tossir contra um céu frio", "aqui, onde fez sombra um movimento, cobre de esquecimento o ouro das manhãs soltas na brisa", "Penélope fria que tece a escuridão", "o amor, essa cisterna cheia dos sons mais ocos", "um soluço de amor estrangulado", "a alma curvada sobre o esfarelamento das palavras", "o dente do desejo é traiçoeiro", "chega ofegante à curva do limite".

Em certas estrofes, atinge a harmonia inesquecível, como no poema "A gralha". "É então que aquele pária das próprias ilusões, / o encarcerado que ninguém visita, / gruda-se às grades como a parasita / ao fim das estações / e, a sós com os nevoeiros, se limita / a desfolhar visões". Há versos com achados de linguagem – "o seco olhar do sicário", "sem escuta e sem escolta", "a angústia de gerações / como inquilina constante" – e há versos plenos de sensibilidade intelectual. E não são versos pinçados: há farta distribuição de bons versos neste livro. O poema "O numeropata", sobre um preso que exibe seu número na nuca, é todo ele um exemplo – "um escombro cujas queixas/ ninguém se dera ao trabalho/ de ouvir cair como a chuva,/ como as garoas do orvalho/ sobre as ruínas da culpa".

Por vezes, essa poesia assume o paramorfismo, indicando na própria construção verbal o objeto que descreve: "Da memória, essa inimiga / que tece e retece a teia / em torno de um prisioneiro,/ a aranha que volta e meia / enreda e solta o desejo". O poema se tece como a aranha e a memória. Por outras, a imagem ganha a força do escape, num correlato objetivo: "A aranha que da memória / fazia a teia em visita / aos vórtices do vazio". A memória se amarrando no vazio...

Que outra poesia feita nos anos 90 ofereceu imagem tão forte, com tanto teor e tear filosófico? Quem dirá que os versos seguintes não são dos maiores que se escrevem hoje? "Se a alma é sempre o suporte / daquela metamorfose / que faz e desfaz o forte, / o conta-gotas da morte / serve as almas dose a dose". Se assinadas, digamos, por Murilo Mendes, essas aliterações sombrias em "o" e "e" seriam saudadas como impressionantes. Não há teoria poética deste século cuja limitação não fique exposta diante de tais versos.

"A balada do cárcere" junta melopéia, fanopéia e logopéia, nos termos de Ezra Pound: recorre a melodias, imagens e idéias para realizar sua dança soturna. Mas o que faz sua força não é só a sofisticação verbal; é também sua congruência com o assunto. O poema "Descobertas", por exemplo, diz que a paixão e a primavera não passam de "mera, febril aproximação da janela aberta da fera", e aí vêm mais cortes metonímicos: "tremor contínuo da mão / que agarra o gradil e enterra / as unhas na solidão / que força mas não descerra". Da cadeia para o preso, do preso para a mão, da mão para a unha, e da unha de volta para a solidão da cadeia. Essa sucessão comunica uma sensação claustrofóbica, somada ao poder sugestivo da imagem de uma mão tentando rasgar o escuro e, a não ser pelo breve instante do gesto, nunca o vencendo. O homem, nesses poemas, é visto entre a culpa e a pose, entre o desengano e a contrafação, entre o desejo e a alma.

"O coração desdenha quase tudo depois, senão durante". "O perigo para a criatura / é não confiar no invisível". "A beleza é um precipício". "O ser é a visão que procura". Dentro de um repertório gótico, a seqüência de poemas vai criando uma atmosfera em que presos resignados sofrem a letargia num local quieto e escuro, onde até a luz que entra de vez em quando é fria, onde imperam o vento e o desalento, e "a carne é lenha condenada". Mas o estilo não é gótico; não se encaixa em definições, porque não exalta nem condena. Ele flui à força de "enjambements", embora não seja palavroso ou melífluo; ganha arestas no fato de que o esquema rítmico e estrófico raramente coincide com os sintagmas das orações.

Aquela atmosfera é apenas o produto de substantivos e adjetivos, de ritmos e conceitos, de fatos e paradoxos, de dores e sinceridades, de referências e descrições – enfim, de tudo que a linguagem, carregada de sentido, pode fazer sentir e pensar. Num curto verso – "A véspera desespera". – todos esses elementos estão condensados. É este o grande mérito da poesia de Tolentino, a melhor de que o Brasil dispõe nesta década. Que se leia e que se recupere o valor da arte diante de todo reducionismo e personalismo, diante de toda a crise cultural do visível.

DESCOBERTAS (poema do livro "A balada do cárcere")

Descobre-se que a paixão,
a paixão e a primavera,
se são paralelas são
dois termos na mesma espera.

Espera encantada ou não,
ambas não passam de mera,
febril aproximação
da jaula aberta da fera,

tremor contínuo da mão
que agarra o gradil e enterra
as unhas na solidão
que força mas não descerra.

Mordida de comunhão,
no tronco o dente da serra,
no dente o grito do grão,
e a boca aberta da terra

recebe e fecunda o chão
com os pedaços que a pantera
desmembrou na confusão
com o corpo que já não era

sequer a gazela e em vão
se debate e dilacera
de tanta sofreguidão.
A véspera desespera.

GAZETA MERCANTIL
07/12/1996

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