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COMO DEIXEI DE SER DEUS

Corre no país o chiste de que 99% dos juízes, promotores, políticos,
artistas midiáticos, acadêmicos, jogadores de futebol, pastores e
quejandos têm forte propensão a acharem que são Deus; 1% tem certeza

Márcio Almeida*


O livro de Pedro Maciel (Topbooks, 2009) contém o DNA da nova boa literatura brasileira em nível de narrativa de ficção. Sem favor algum, insere-se Como deixei de ser Deus entre os (poucos) livros realmente inovadores publicados no país na atualidade. Maciel detona o grande código, Deus, e põe em xeque a autoridade dos discursos teológico, filosófico, exegético e literário. Deo gratias.

O autor dialoga com a intertextualidade e, em estilo polissêmico, imprevisível, oferece aforismos e epifanias a leitores bem preparados para impactar novos parâmetros literários, que põem Deus em questão. Como deixei de ser Deus não é um livro para amebas felizes ou o leitorado dos regozijos triunfalistas.

Até mesmo para brincar com Deus é preciso ter competência. Einstein teve. Carl Sagan teve. Maciel tem. Entre o lírico e o retórico, condensado em frases e enunciados pluridiegéticos, o pensado e o irônico, o autor estrutura uma babel com oráculos de ruínas, coralidade de vozes múltiplas, científicas, religiosas, seculares e profanas, datações imprecisas, desconstruções apócrifas, filosofismos metafóricos, tudo com uma única certeza: Deus é a grande ficção.

Maciel faz um livro perquiritivo de Deus sem cair na escatologia, no drama triplo da crise-sentença-vindicação. Sem elucubrações tardo-religiosas metafísicas, teologias de bolso, opondo-se naturalmente à mentalidade confessionalista de gueto. Sem se expor à esparrela dogmática, à doxa dos radicalismos dominicais e dos agnósticos do colunismo jornalístico. Sem mais um apocalipse now ou passadiço, sem posicionar-se como um sempre chatérrimo antichristus mysticus.

Além de passar um tsunami na estrutura canônica do romance, com os seus tradicionais narrador(es), personagens, coadjuvantes, ação em crescendo rumo a um grand finale, desenvolvimento real-imaginário com descrições manjadíssimas, criando uma leitura lúdica como o tabuleiro de xadrez cortaziano em O jogo da amarelinha (p.ex.) – Maciel põe o “gênero” em pânico e, muito mais do que simplesmente inovar, propõe uma escritura palatável, culmina um livro de leitura saborosa posto que inteligente, sagaz, absorvente como um modess para sangrias mentais desatadas.

Mérito próprio deste livro está em o autor ter formulado uma questão interessante e emblemática até agora não observada em sua fortuna crítica: o narrador, ao deixar de ser Deus, supõe-se o homem capaz de se assumir humano, ser mortal, o que pressupõe, por sua vez, que Deus continue a existir, por isso Ele é como o inexistente imprescindível, que persiste como objeto de re-flexão.

Maciel projeta-se no livro como um filosoeta que pensa o tempo o tempo todo – o tempo em si, o tempo no tempo, o tempo no espaço, o tempo sem física: não me importo com as coisas perdidas mas com o tempo perdido (21) – por enquanto este é ainda o tempo da tragédia, o tempo das morais e das religiões (25) – o olho da memória, com o tempo, começa a usar óculos (29) – o espírito permanece no tempo e não no espaço. Jamais tive outro cárcere além do meu corpo (31) – sobreviver além do meu tempo. O tempo já não me é tão longe de tudo (41) – o que perdi senão o tempo? Ninguém viveu no passado, ninguém viverá no futuro; o presente é a forma de toda vida (69) – só o tempo chega (77) – preciso de tempo para ser breve (79) – o tempo sempre anda mais devagar do que o pensamento. pensamos que somos eternos (101) – cada tempo é uma história (113) – entretempo: sempre penso naquele espaço do tempo entre ser e não ser (119) – o tempo vai-se, e os anos chegam...(123).

Tais reflexões não são invencionices, têm uma origem: Maciel treinou a escritura de Como deixei de ser Deus nos últimos anos (ou talvez, a vida toda), publicando breves ensaios nos jornais O Globo, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo, Suplemento Literário de Minas Gerais, entre outros veículos, e, hoje, estes são reproduzidos no www.cronopios.com.br, entre outros sites, onde apresenta suas fontes epistêmicas básicas. Em relação ao fator tempo, é o caso de Blaise Pascal (1623-1662), a quem dedicou “A transcendência da condição humana”, físico e matemático em cuja obra Pensamentos tenta justificar a fé pela razão. Maciel dixit: “Pensamentos é um conjunto de notas e rascunhos que deveria servir para a redação da Apologia do Cristianismo”.

O livro de Maciel tem a mesma estrutura fragmentária e provisória da obra pascalina. Em sua leitura, Maciel como que antecipa seu próprio modus operandi no livro em pauta: “Temos de ser capazes de ver, nos textos incompletos, nas frases interrompidas, na miscelânea dos assuntos, na brevidade das fórmulas, na desordem das citações, a mais profunda meditação que já se fez sobre as tensões que definem as relações entre o homem e a transcendência que o supera pelo terror, pelo temor e pela piedade”. Seu livro é isto.

Símbolo caro ao livro, a sombra (a minha sombra nunca usa máscara, 43 – minha sombra olha por mim, 61 - sombra, ilusão do tempo, 113) tem referência pinçada no autor de Elogio da sombra, e prova disso é o ensaio macielino intitulado “A eternidade nos labirintos de Borges”, justamente sobre Elogio da sombra. Referência por excelência, este livro é espelho para Maciel, cujo comentário de Borges é também pertinente ao seu próprio livro: “O tempo ensinou-me algumas astúcias: evitar os sinônimos (...) preferir as palavras habituais às palavras assombradas; intercalar em um relato traços circunstanciais, exigidos agora pelo leitor; simular pequenas incertezas, já que, se a realidade é precisa, a memória não o é; narras os fatos (...) como se não os entendesse totalmente”.

Maciel cria o epíteto “iluminista das sombras” para João Gilberto Noll, cuja obra comenta na revista Bravo. Em outro texto, “O narrar uma história” [do livro Esse ofício do verso], no qual Borges afirma: “Acho que o romance está em declínio. Acho que todos aqueles experimentos bastante ousados e interessantes com o romance por exemplo, a idéia de deslocamento temporal, a idéia de a história ser contada por diferentes personagens – todos eles conduzem ao momento em que o romance não estará mais entre nós” – Maciel conscientizou-se da natureza revolucionária do seu romance. Borges pode ter também iniciado Maciel na leitura do tempo e na técnica das citações, pois, no citado ensaio, o autor mineiro cita outro aforismo consentâneo à sua dicção intertextual: “Muitas vezes descubro que estou apenas citando algo que li tempos atrás, e isto se torna uma redescoberta”.

Muitos aforismos de Como deixei de ser Deus foram originalmente publicados nos seus breves ensaios em jornais e revistas e reproduzidos atualmente em sites. É só conferir: que quer o tempo? suspirar – que quer o templo? – guardar. Estes, por sua vez, têm procedência em Kafka – Contos, fábulas e aforismos (tradução de Ênio Silveira, Civilização Brasileira) – também objeto de leitura de Maciel.

As incursões de Maciel têm outras procedências e uma delas, com toda certeza, é E. M. Cioran (1911-1995), a quem dedica o breve ensaio “Cioran e a arte da provocação”, comentando o livro Exercícios de admiração, no qual identifica “o autor de aforismos, silogismos e breviários, desvenda o universo literário de Samuel Beckett”. Maciel é o próprio Malone empreendendo em Como deixei de ser Deus “um monólogo após o fim de algum período cósmico”, com “a sensação de entrar num universo póstumo, em alguma geografia imaginada por um demônio, livre de tudo, até mesmo de sua maldição”. E lá está também Beckett a levar Maciel a pensar o tempo: “O tempo que temos para passar na Terra não é tão longo para que o utilizemos em outra coisa além de nós mesmos”.

E essa utilização do tempo em causa própria reflete o que talvez identifique muito o romance macielino, de que, aliás, ele tem amplo conhecimento: o portrait littéraire que, segundo Sainte-Beuve, “é uma forma utilizada para produzir nossos próprios sentimentos sobre o mundo e sobre a vida, para exalar com subterfúgio uma certa poesia oculta”.

Isso é feito com a “arte da provocação” de Cioran, encontrada também em Baudelaire, nos apócrifos, nos autores da teologia negativa. Ao citar aforismos como peço a Deus que me livre de Deus (53) – por que voltar a ser eu mesmo? (59) – após certos acessos de eternidade e de febre, nos perguntamos por que razão não nos digamos ser deus (65) – Deus não se revela ´no’ mundo (73) – Deus, inspiração dos pirados (85) – Deus nada pode sem nós. O sonho de Deus é viver a minha vida (93) – et alii, literalmente, Maciel provoca: a si mesmo, o leitor, os pensadores oficiais, laicos e seculares – provocar é ensejar o outro a pensar diferente, a pensar a diferença. Diria, então, Cioran, no recorte macielino: “Competir com Deus, ultrapassá-lo mesmo apenas pela força da linguagem, esta é a proeza do escritor, espécime ambíguo, dilacerado e enfatuado que, livre da sua condição natural, se entregou a uma vertigem magnífica, sempre desconcertante”.

Quem tem o hábito de pensar além do próprio espelhumbigo, ao ler o romance de Maciel lembrar-se-á de Rorty, quando este propõe “abandonar a pretensão metafísica exigida das relações da razão humana com a natureza das coisas”, o que implica “na negação da possibilidade de uma compreensão platônica da realidade como a relação entre as ideias e as palavras ou enunciados sobre esta realidade”. Por isso, justificando mais uma vez a inovação romanesca de Como deixei de ser Deus, já não se poder recorrer a fundamentos ou metanarrativas. Em lugar destes recursos – olha Rorty aí de novo – postula-se na pós-modernidade o conhecimento “contextual”, “pragmático”, “funcional” e “relativista”.

Assim, pensar a questão deífica na atualidade implica optar sine qua non pelo pluralismo e o relativismo, em cujas epistemes a verdade é “aquilo que é vantajoso crer”. Maciel dixit: Platão dispersa sua crença por diversas formas: diz no Timeu que o pai do mundo não pode ser designado; em As leis, que não devemos inquirir sobre seu ser; e em outros momentos, nesses mesmos livros, faz deuses o mundo, o céu, os astros, a terra e nossas almas. Graças a Deus que ninguém é Deus! (19) – Perseu, discípulo de Zenão, sustentou que haviam sido cognominados deuses aqueles que trouxeram algum benefício notável para a vida humana [...] (23).

A concepção deífica de Maciel, com início nos mitos anímicos e pensares pré-atomistas, cujos elementos forjam o universo, a história, a memória, o esquecimento e a lembrança, se expande como tempo na cosmologia dinâmica e chega à pós-modernidade com a assertiva irrefutável de George Smoot e Keay Davidson em Dobras no tempo (Rocco, 1995): “nenhuma teoria é sagrada” (13). Daí a conclusão do autor pelo viés de Diógenes: Deus é o tempo (21).

Quem estiver mesmo a fim de curtir Como deixei de ser Deus com maior profundidade, valorizando não apenas a magnitude do romance como a si mesmo, como leitor de acuidade, identificará na intertextualidade um Nietzsche nas entrelinhas do eterno retorno do mesmo, da genealogia da moral e do anticristo: por enquanto este é ainda o tempo da tragédia, o tempo das morais e das religiões (25) – ele não sabe quem foi, quem é e quem pode ser. às vezes ele olha para si como se ele fosse outro apesar de ser o mesmo de sempre (39) – do ponto de vista moral, nós vivemos ainda na era neolítica, quer dizer, não somos completamente rudes e, no entanto, não saímos de um estágio da maior rusticidade ou que possa justificar qualquer celebração (59).

Além da antinomia Deus x ciência, os aforismos macielinos põem na roda da reflexão a enteléquia, que se encontra no todo do livro como ideia de télos do desenvolvimento infinito, da humanidade como infinita razão, entendida como aquilo que ordena necessariamente o homem segundo sua própria decisão: onde eu posso ser apenas um ser abstrato? Quando a palavra recupera o seu sentido exato?(81) – sou o Deus de mim mesmo (93) – por que tanto esforço em ser como eles? um dia serei eu o outro (109).

A dialógica chega também à ascese intramundana bergsoniana através da desmistificação procedida na linguagem. A propósito, Como deixei de ser Deus tem muito a ver com também com Weber, que pensa o homem entre uma teodicéia do bem (ser humano e ser capaz de se pensar humano e em Deus) e uma teodicéia do sofrimento (saber-se limitado pela finitude, pela racionalidade que provoca a renúncia do homem à transcendência em função de sua sobrevivência): estou a um passo de tornar-me um ser humano. Por muito tempo me sentia como se fosse um deus qualquer (123) – ele só recuperou a saúde mental depois de dar adeus aos deuses (127).

O romance de Pedro Maciel permite múltiplas leituras. Do big-bang à teoria de um colapso cosmológico, dele se deduz uma certeza: a de que Deus é sedução. Ele faz pensar. E nisso está o que anima o homem a ir em frente: o deusejo. Mesmo porque, já o disse Robert Millikan – Deus ainda está de serviço. Sirva-se.

*Márcio Almeida é mestre em Literatura com especialização em Ciências da Religião e Filosofia, poeta, ficcionista e crítico [marcioalmeidas@hotmail.com]

site www.germinaliteratura.com.br
setembro/2011

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