A CONVERGÊNCIA DE GUSTAVO FRANCO
Ensaios do ex-presidente do BC revelam que suas
polêmicas estão virando consensos
Leonardo Attuch
Gustavo Franco: estilo mordaz na defesa de suas idéias
e no ataque ao modelo nacional-desenvolvimentista.O
economista carioca Gustavo Franco, ex-presidente
do Banco Central, é um polemista nato, daqueles que dão
um boi para entrar numa discussão e uma boiada para não
sair. É um sujeito tão treinado nesses embates retóricos
que um de seus amigos, o jornalista Guilherme Fiúza, encontrou
a imagem perfeita para defini-lo. Gustavo, diz Fiúza, não
apenas veste a camisa dos seus ideais como a deixa empapada de suor
e barro na peleja com seus antagonistas. Ele é do tipo que
entra em divididas, dá carrinho, xinga o juiz e, volta e
meia, leva um cartão vermelho.
Por isso, causa certa estranheza o título
do novo trabalho desse enfant terrible da economia nacional.
É o livro Crônicas da convergência –
Ensaios sobre temas já não tão polêmicos
(Topbooks, 598 páginas, R$ 59), que reúne 189 artigos
publicados nos últimos seis anos – muitos deles atualizados.
Essa estranheza, porém, logo se dissipa. Da leitura dos artigos,
emerge um Gustavo que disseca com uma clareza desconcertante todo
tipo de assunto – o livro tem 30 blocos temáticos –
e, por isso, é capaz de convencer o leitor. Lidas com o distanciamento
do tempo e sem o impacto das emoções que Gustavo despertou
ao exercer o poder, as suas antigas polêmicas já não
assustam. Parecem até tomar a forma de consensos –
daí o título.
Essa mutação não teria ocorrido
de forma tão rápida se o presidente Lula não
desse sua contribuição, ao abraçar a política
econômica da era FHC. Por isso, Gustavo afirma que, no governo
atual, “o que deu certo foi o que não mudou”.
Ainda assim, ele critica a falta de convicção do PT,
que apenas “finge acreditar” no que faz. O mercado,
diz ele, prefere sempre um uísque escocês. Imagens
simples como essa, e com uma boa dose de ironia, são um dos
méritos do livro. Gustavo sabe polemizar, sabe argumentar
e também sabe escrever como poucos. Numa de suas metáforas,
sobre experiências econômicas, ele diz que o Brasil
já fez um “kama sutra” cambial – ou seja,
testou todas as posições possíveis. Numa outra
imagem, divide o governo Lula em duas metades: Dr. Jeckill (a do
bom senso econômico) e Mr. Hyde (a do impulso autoritário
fundado numa superioridade moral autoconferida e já desmoralizada).
Para sorte do País, diz Gustavo, a primeira metade prevaleceu
sobre a segunda.
Como
não poderia deixar de ser, a vitória sobre a hiperinflação
– de 20 trilhões por cento entre 1980 e 1995 –
ocupa boa parte do livro. E das crônicas salta uma discussão
de fundo sobre o passado e o futuro. No retrovisor de Gustavo está
a imagem do modelo nacional-desenvolvimentista, que fez o Brasil
crescer, mas também plantou as sementes da inflação.
No horizonte, o sonho de uma economia aberta e assumidamente capitalista.
É nesse confronto ideológico que ele comete algumas
injustiças. Uma delas, a de definir o ex-ministro Delfim
Netto como “porta-bandeira honorário do Parque Jurássico”
e “decano da feitiçaria nacional”. Afinal, o
Delfim “pau na máquina” dos anos 70 já
não é o mesmo Delfim que hoje propõe o déficit
nominal zero para a economia. E, no fundo, lá bem no fundo
da sua alma, percebe-se que Gustavo tem até uma certa vocação
para se transformar num Delfim. Se não pelas idéias,
ao menos pelo estilo ferino, preciso e mordaz.
revista ISTO É
30/08/2006
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