O OBSERVADOR EM SEU MIRANTE
Mauro Santayana
A única orientação para
a vida dos homens e das sociedades é a do passado, mais próximo
ou mais distante. Os homens, há milhares de anos, são
os mesmos em inteligência, mas seus atos dependem das circunstâncias,
e estas, de alguma forma, também se repetem. Assim como somos
prisioneiros de dois limites insuperáveis, o do tempo e o
do espaço - associados para nos reduzir ao que somos - nossa
vida social está, para o bem e para o mal, de forma ativa
ou passiva, submetida à paixão do poder. Essa paixão
se move pelas idéias e pelo interesse, pelo altruísmo
e pelo egoísmo, e seu veículo é a política.
Nestes anos iniciais do século - repetindo
um fenômeno comum às gerações que envelhecem
- têm surgido biografias e livros de memórias que nos
trazem a experiência do passado, no Brasil e em outros países.
Neles, a marca mais poderosa é a da nostalgia do caráter,
da probidade intelectual e do devotamento ao humanismo de excepcionais
homens do século 20. Quando os memorialistas foram testemunhas
privilegiadas dos fatos, e conviveram com os personagens examinados,
as obras se tornam indispensáveis a todos os cidadãos
interessados no futuro de seus povos.
O embaixador Afonso Arinos, filho, acaba de publicar
um depoimento sobre seu tempo. Nele, reúne suas experiências
políticas no Brasil e suas observações sobre
a conjuntura internacional contemporânea, que lhe coube acompanhar
durante a rica carreira diplomática. O título, Mirante
(Topbooks), singelo como o de todos os bons livros, reflete bem
o conteúdo. Afonso busca narrar os fatos com distanciamento,
mesmo aqueles dos quais participou como homem público, e
examinar, com certa indulgência mas sem omissões, as
grandes personalidades com as quais conviveu.
Não é o seu primeiro livro de memórias,
mas este é mais abrangente na reconstrução
histórica e nas reflexões políticas. Dir?se?ia
que, na medida em que se distancia dos fatos, pode vê?los
em sua verdadeira grandeza, aferida pelas repercussões históricas.
Com a autoridade da origem familiar, não esconde o desapontamento
com o imperialismo (o substantivo não admite eufemismos)
norte?americano e, antigo embaixador junto ao Vaticano, confessa
a admiração por João XXIII, no confronto com
seus sucessores, e não omite fatos históricos que
comprometem a Santa Sé.
O mais importante dessas observações
se refere ao Brasil. Embora nem todos fossem assim, os maiores homens
públicos do passado podiam ser conservadores e reacionários
radicais, extremistas passionais e de personalidade bipolar, mas
não lhes faltava caráter, entendendo?se o vocábulo
em sua neutralidade ideológica. Enfim, eram homens com personalidade
definida e certa fidelidade aos valores republicanos.
Foi um tempo marcado pela decisiva personalidade de Getúlio,
que dividiu o Brasil em dois campos. Pela própria origem
familiar, Afonso tinha razões para colocar?se, como seu pai,
no campo da UDN. Mas, como seu pai, passou a entender melhor Getúlio
depois da tragédia de 24 de agosto - como, de resto, ocorreu
a muitos da mesma geração e da mesma origem de classe.
Foi assim que o autor se distanciou de Carlos Lacerda, ao defender
a política externa durante o governo Jânio, chefiada
pelo chanceler Affonso Arinos, a qual era atacada violentamente
pelo então governador da Guanabara.
Além da importância, histórica,
o livro de Afonso fascina o leitor, pela elegância e limpeza
de estilo. E pela sensibilidade diante da cultura e da arte de um
mundo hoje ameaçado por nova idade das trevas.
Coisas da Política
Jornal do Brasil
Rio de Janeiro
15/01/2007
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