WhatsApp:  (21) 98563-3713
COMPRAS      
 
TOPBOOKS - EDITORA E DISTRIBUIDORA DE LIVROS

Topbooks 30 anos

A Editora Imprensa Homenagens Especiais Destaques Recomendados e-Books Como comprar Fale conosco Início do site
30livrosA10reais
CATÁLOGO RESENHA
 
 
 
Instagram
 
WhatsApp:
(21) 98563-3713
TOPBOOKS - Editora e Distribuidora de Livros

ANOTAÇÕES DE UM DIPLOMATA

Argemiro Ferreira

Na virada do século e do milênio, a aposentadoria de uma velha máquina de escrever, substituída pelo computador, coincidiu com "a liberdade do tempo e do espaço". Para o diplomata, político e escritor Afonso Arinos filho - o pretexto, no final de 1998, para iniciar registros (vagamente no formato escolhido pelo conselheiro Aires, do "Memorial" machadiano) com a experiência e o testemunho de uma vida.

Ele os apresenta no livro "Mirante" (Topbooks, 2006) como "notas soltas, ocasionais e destituídas de qualquer compromisso, lembranças, impressões e sentimentos que me ocorram". É bem mais do que isso, como já observei antes. Até pelo papel da família Melo Franco na vida do País e pela posição privilegiada na qual ele próprio testemunhou meio século de nossa história.

Não só a família e a elite política estão nas 377 páginas de "Mirante". Raras vezes um autor foi tão pródigo em retratos informais e atraentes de expoentes da literatura, da diplomacia e da vida intelectual. Mas Arinos filho deixa clara a influência do pai, Afonso Arinos de Melo Franco, e do tio Virgílio Alvim de Melo Franco - o grande articulador da revolução de 1930.

A suspeita de assassinato

Menino ainda, no Estado Novo, o autor visitou Virgílio na prisão (motivada pelo "Manifesto dos Mineiros", redigido por ele), ouvindo-lhe o desabafo quando um soldado falou da intenção do chefe de polícia, então em visita ao local, de recebê-lo e conversar: "Diga-lhe que se eu for vê-lo será para enfiar-lhe a mão na cara e mandá-lo à puta que o pariu".

Duas ou três vezes o livro volta a Virgílio e à suspeita de que a morte dele em 1948, na suposta troca de tiros com um assaltante de sua casa no Jardim Botânico, fora na verdade uma trama da guarda pessoal de Vargas - como o atentado de seis anos depois, contra Carlos Lacerda, na Rua Tonelero. É o que pensavam Carolina Nabuco, biógrafa de Virgílio, e o irmão dele, Afonso Arinos, pai do autor.

Aquele episódio desviou Arinos pai da literatura e da universidade, que amava, para a atividade política. Líder da UDN em momento crítico, faria em agosto de 1954 seu mais contundente discurso contra Vargas. O filho preserva a gravação, que o pai, depois do trauma do dia 24, nunca quis ouvir (até mandara eliminar nos Anais do Congresso duas expressões mais duras, que atribuiu ao calor do improviso).

Maus e bons momentos

A "diplomacia sem alinhamentos automáticos" é tema recorrente no livro. Arinos filho não fica na formulação do pai. Recorda o passado - a adesão do Itamaraty ao modismo macarthista, com as listas negras que incluíram Antônio Houaiss, João Cabral de Melo Neto, Vinícius de Morais e outros. E a presença de dedos-duros depois, durante a ditadura, a serviço da CIA na embaixada do Brasil em Montevidéu.

João Cabral e Houaiss foram amigos dele a vida inteira (chegara a conseguir que Lacerda parasse a campanha contra João Cabral). Vinícius trabalhou na mesa ao lado, no início da carreira dos dois no Rio. Dali eles saíam para as conversas de botequim em Copacabana, com outros - Sérgio Porto, Lúcio Rangel, Antonio Maria. Também há boas lembranças da carreira em "Mirante", até pelo envolvimento de parentes e amigos ilustres, colegas escritores e intelectuais.

O "name dropping" amplia-se com toda uma geração intelectualmente dotada. Em diferentes épocas o autor conviveu com Murilo Mendes, Guimarães Rosa, Sérgio Buarque, Pedro Nava, Ribeiro Couto, Carlos Drummond, Manuel Bandeira, Carlos Castelo Branco, Oto Lara Resende, Odilo Costa, filho, Raimundo Faoro, Oto Lara Resende, Fernando Sabino, Hélio Pellegrino, Barbosa Lima Sobrinho, Prudente de Morais, neto, entre outros.

Às vésperas do confronto

Há momentos coloquiais, instantâneos emocionais - como a imagem de San Tiago Dantas, parceiro de Arinos pai na afirmação da diplomacia independente, a beijar na França o solo produtor do Chateuneuf-du-pape; ou no quarto do hospital, já em 1964, quando seu "poderoso engenho mental" deixa de funcionar - à frente de uma praia do Mediterrâneo pintada por Raoul Dufy, quadro que mandara trazer de casa.

Arinos filho também foi arrastado à política - primeiro no gabinete do presidente Café Filho, depois na Assembléia estadual e Câmara federal. Pai e filho ficaram pouco à vontade naquele rescaldo da crise de 1954, com Lacerda a pregar o golpe (e "regime de exceção") contra a posse de JK. Mas em 1960 os três se elegeram juntos - Lacerda governador, Arinos pai senador, e o filho deputado (à Constituinte da Guanabara).

O rompimento viria logo. Ministro de Jânio Quadros, Arinos pai conduzia a política externa independente, novo alvo de Lacerda; vice-líder da bancada do governador, o filho trocou a UDN pelo Partido Democrata-Cristão. As divergências tinham começado ainda em 1954, com um telegrama no qual Lacerda conclamara Arinos pai, então no exterior, a demitir-se da liderança. (Ficam para amanhã mais detalhes do confronto - e a reconciliação Arinos-Lacerda.)

Arinos e Lacerda, da aliança ao confronto

Como foi lembrado na coluna anterior, a propósito do livro de Afonso Arinos filho ("Mirante", Topbooks, 2006), as divergências entre os Arinos (pai e filho) e Carlos Lacerda tinham começado cedo. Já em novembro de 1953 o jornalista e sua TRIBUNA atacaram Arinos pai, pela sua amizade (de mais de duas décadas) com Osvaldo Aranha, ministro da Fazenda de Getúlio Vargas.

A campanha destemperada de Lacerda contra Vargas já estava a mil. Arinos pai evitou o choque, mas o filho, com 23 anos, manifestou sua indignação numa carta violenta. Descobrira tarde, dizia, "o verdadeiro Lacerda, escondido atrás da máscara de um falso Dom Quixote. (...) Apenas lamento que a sua atitude indigna me haja compelido a utilizar, nesta carta, uma linguagem e um estilo que são exclusividade sua". Lacerda devolveu: "Não quero guardar esta carta. (...) Quando você crescer, compreenderá quanto é injusto e tolo".

Em fevereiro Arinos pai representava o Congresso em Caracas, na Conferência Interamericana, e recebeu telegrama de Lacerda, que via sua viagem como rendição ao governo e o conclamava a renunciar à liderança da UDN - para que a ausência não se tornasse "verdadeira traição".

A aventura do "Tamandaré"

A resposta veio de Caracas: "Nunca prestei melhores serviços como líder da oposição (...). Cumprirei o dever até o final". Escreveria depois nas memórias: "Defendia os interesses brasileiros, como deputado da oposição (...). E quem me acusava de abandono? O homem que, em várias oportunidades, deixou seus deveres para fugir do País, escapando às conseqüências das crises que desencadeia".

O atentado da Rua Tonelero, a 4 de agosto, os reaproximou. O jornalista, já em casa, abraçou Afonso Arinos. "Sua visita hoje foi a que maior alegria me deu", disse. Mas o líder udenista não abraçaria o golpismo de Lacerda - contrário à posse de JK e favorável a "regime de exceção". Negou-se a ir para o "Tamandaré" com ele e, ao fim da aventura, rejeitou convite para assumir a direção da TRIBUNA.

"Não queria solidarizar-me com uma linha de agitação a que sempre fora alheio, e que nos levara à situação em que nos encontrávamos", escreveu nas memórias. Limitou-se a recomendar que Lacerda buscasse asilo (na embaixada de Cuba, onde Arinos já tratara do assunto). Na volta do exílio, em 1956, Arinos fez mais: venceu, na Câmara, a batalha para salvar da cassação o mandato de Lacerda.

Incompatível com a democracia

Na eleição de 1960, Lacerda e os dois Arinos fizeram a campanha juntos, no chamado "caminhão do povo". Elegeram-se (governador, senador e deputado) e a UDN chegou ao poder - na Guanabara e em Brasília (com Jânio Quadros). Nem por isso deixou de vir novo confronto, motivado pelo ataque de Lacerda à política externa independente, liderada por Arinos como ministro do Exterior de Jânio.

No desdobramento, a renúncia de Jânio levou Arinos a articular com San Tiago Dantas a emenda parlamentarista para a posse de Jango. Lacerda, transtornado, disparou telegrama prometendo não viajar "antes de ver pela última vez a cara da vaidade mórbida que leva um tipo à traição e à ignomínia". Arinos respondeu: "Viagens seriam inúteis. Embora sempre fujão, você nunca poderá fugir de si mesmo. É o seu castigo".

Arinos filho conta sua própria transformação em relação a Lacerda - da admiração inicial, quando o via como "uma espécie de herói destemido", a uma "aversão explícita". "Pois ele não argumentava, atacava. Não discutia, agredia. Buscava desqualificar qualquer pleito eleitoral cujo resultado lhe fosse desfavorável. Era, em suma, incompatível, por temperamento, com a convivência democrática".

Reencontro, 14 anos depois

A reconciliação - 14 anos depois, nos 70 anos de Arinos - foi iniciativa de Lacerda, numa carta: "Nossas divergências políticas eram bem maiores que nossas convergências faziam supor. Ao primeiro afastamento, explodiram. Mas, graças a Deus, o tempo e o que temos de melhor em nós prevaleceram afinal. (...) E, se alguma coisa agradeço, é ter vivido também já o bastante para não perder a oportunidade que me dá esta vida de lhe trazer este abraço".

Arinos não se surpreendeu: "Ao contrário, de alguma forma esperava sua manifestação. (...) Nós vivemos; penso que sobrevivemos (...). O futuro não nos pertence mais; nem mesmo o futuro do nosso passado. O que resta para você e para mim é aquele outro passado (...), da mocidade - você muito mais jovem do que eu - quando vivíamos, ao lado de Virgilinho, rodando pelas estradas de Minas, pensando menos em nós do que naquilo com que sonhávamos".

Lacerda morreria um ano e meio depois. O golpe de 1964, que apoiara, tinha destruído seu sonho de chegar à presidência, cassando-lhe os direitos políticos (em seguida à Frente Ampla). Mas operou o milagre de levá-lo a defender a política externa independente (que tinha atacado) para não ver "o Brasil condenado a se transformar no qüinquagésimo-primeiro estado da União americana".

TRIBUNA DA IMPRENSA
03/03/ 2007

Leia também:

50 anos de Brasil
O observador em seu mirante
Posição privilegiada

Privacidade

Envio de originais

Mensagem do Editor

Topo Início Anterior
TOPBOOKS EDITORA E DISTRIBUIDORA DE LIVROS LTDA.
Rua Visconde de Inhauma, 58 - Sala 203 - Rio de Janeiro - CEP 20091-000
Telefones: (21) 2233-8718 ou (21) 2283-1039
Copyright © Topbooks, 2003 - 2024 - É proibida a reprodução total ou parcial sem autorização - Projeto QV