DISCURSO DO EDITOR
DA TOPBOOKS NO LANÇAMENTO DA COLEÇÃO LIBERTY CLASSICS*
Quero agradecer, em primeiro lugar,
à Academia Brasileira de Letras por ter percebido de
imediato a importância do projeto que o Liberty Fund
ora desenvolve com a Topbooks, e acolhido essa festa
de lançamento da coleção "Liberty Classics". Agradeço
especialmente ao presidente da ABL, o historiador Alberto
da Costa e Silva; ao poeta e crítico Ivan Junqueira,
secretário-geral da Academia; ao prof. Evanildo Bechara,
autoridade internacional em questões de língua e gramática
portuguesa; e aos demais acadêmicos aqui presentes.
Agradeço também aos diretores do
Liberty Fund, srs. Allan Russell, Chris Talley e Emílio
Pacheco, por terem escolhido o Brasil como o primeiro
país a receber apoio na publicação de obras centrais
da cultura mundial, e por terem entregado a uma pequena
editora local, a Topbooks, a tarefa de conduzir aqui
esse projeto.
Agradeço a Leônidas Zelmanovitz,
gerente brasileiro desse programa, e em especial a sua
mulher, Rosane Zelmanovitz, através de quem se deu o
meu primeiro contato com a instituição. Esse fato é
curioso e merece ser contado: Rosane foi encarregada
de indicar para o Liberty Fund editoras com perfil e
disposição para tocar, no Brasil, um projeto como há
muito tempo o Liberty Fund desejava realizar fora dos
Estados Unidos. O que ela fez? Vasculhou livrarias por
meses a fio, e um dia se deparou com a Areopagítica,
de John Milton - que publiquei em 1999, em edição bilíngüe,
no Ano Internacional da Liberdade de Imprensa - e com
os Panfletos satíricos, de Jonathan Swift, editados
no mesmo ano. Rosane gostou do tratamento gráfico dado
a esses livros, e me enviou um e-mail, onde fazia perguntas
assim: "você é leitor desse tipo de livro?"; "você fez
esses livros por encomenda?"; "qual a sua expectativa
de venda de um livro assim?".
Como não nos conhecíamos, e o diálogo
era eletrônico, respondi: "sim, leio esse tipo de livro;
não os fiz por encomenda, mas sim por achar que há muito
eles deveriam estar em português (Areopagítica
foi citado por Rui Barbosa, e nos anos 40 por Gilberto
Freyre); vendam o que venderem, continuarei contente
por tê-los editado".
Passaram-se vários meses, e um dia
Rosane aparece na Topbooks contando que o Liberty Fund
queria conversar comigo sobre a possibilidade de uma
parceria para editar no Brasil clássicos da cultura
do homem. Começamos a conversar, fechamos um contrato,
e o resultado está aqui: hoje apresentamos os cinco
primeiros volumes do que pode vir a ser em pouco tempo
uma importante coleção, em português, de ensaios e textos
fundamentais da cultura ocidental.
Os 10 primeiros títulos foram escolhidos
por mim, e digo isso para deixar claro que o Liberty
Fund não impôs nada, a não ser a exigência de qualidade
na feitura desses livros. Minha escolha recaiu em 10
obras inéditas, sendo que dos 10 autores oito são também
inéditos em português - as exceções são Burckhardt e
Hume, cada um com dois livros editados no Brasil.
Os cinco títulos lançados hoje, e
que a partir de amanhã poderão ser encontrados nas livrarias,
são:
1. Política, de Johannes Althusius
(1557-1638)
Jurista e filósofo da política, doutor
em direito civil e eclesiástico pela Universidade da
Basiléia e em teologia pela Universidade de Heidelberg,
o calvinista Althusius esteve um tanto esquecido, até
que a publicação de um estudo de Otto von Gierke sobre
ele, na década de 1870, o trouxe de volta à consideração
dos estudiosos da política e da sociedade. Desde então
a Politica Methodice Digesta, publicada pela
primeira vez em 1603 e em 1610 numa edição ampliada
- e que teve cinco edições entre 1603 e 1654 - ganhou
status de obra de referência nos estudos sobre consentimento,
contrato, federalismo e corporativismo. Quem se dispuser
a entrar nos arquivos da Johannes-Althusius-Gesellschaft,
a "sociedade para a investigação das doutrinas jusnaturalistas
e a história constitucional do século XVI ao XVIII",
ou compulsar os dois volumes de sua Bibliografia, publicada
em Berlim em 1973, perceberá melhor ainda a relevância
do livro que ora chega ao Brasil.
Para a construção de sua obra, o
erudito alemão Althusius maneja idéias bíblicas, aristotélicas
e neocalvinistas, afora o conhecimento do etos das cidades
da guilda germânica, que adquiriu a partir de 1604,
quando se tornou síndico (secretário legal) da cidade
de Endem, onde passou grande parte da vida. Nos numerosos
capítulos sobre a república, Althusius analisa em profundidade
a lei e a sua execução, a política econômica, "a natureza
e os sentimentos do povo". Em seu sistema, "o povo",
ou seja, os membros da corporação estabelecem uma relação
contratual com o "magistrado supremo", e seu poder é
maior que o do príncipe. Em situações-limite, diz Althusius,
o povo tem o direito de destituir o tirano e eleger
um novo rei.
2. Democracia e Liderança,
de Irving Babbitt (1865-1933)
"Um dos trabalhos realmente importantes
sobre o pensamento político escrito por um americano
do século XX", na expressão de Russell Kirk em sua minuciosa
introdução, esse livro, publicado em 1924, provocou
muita polêmica, devido, em parte, às críticas do autor
à União Soviética. Um desses descontentes foi Herbert
Read, muito embora reconhecesse que a motivação de Babbitt
ao escrevê-lo foi "o restabelecimento de padrões humanistas
no lugar das confusões utilitárias, humanitárias ou
românticas hoje muito em voga em todos os lugares".
A história do período que se seguiu
à Revolução de Outubro, melhor conhecida hoje depois
da abertura dos arquivos soviéticos por Mikhail Gorbachov,
deram razão ao professor de literatura francesa de Harvard.
É quase certo que o mais famoso de seus leitores tenha
sido o poeta T. S. Eliot, como se pode comprovar pelas
muitas referências a Babbitt em seus ensaios. Ao escrever
o obituário de Babbitt para The Criterion, embora não
deixasse de acentuar discordâncias, principalmente em
matéria religiosa, Eliot asseverou: "Depois de uma vida
de infatigável e, por muitos anos, quase solitária luta,
ele granjeou para seus pontos de vista, se não a concordância,
pelo menos vasto reconhecimento; estabeleceu grande
e benéfica influência, daquela espécie que tem menos
aparência do que substância, sobre muitos de seus alunos
que passaram a lecionar por toda a América; e instituiu
uma forte contracorrente na educação".
3. A Lógica da Liberdade,
de Michael Polanyi (1891-1976)
Esse judeu húngaro com cara de galã
de cinema, irmão mais novo do economista Karl Polanyi
(autor de A grande transformação), foi uma das
maiores inteligências analíticas de seu tempo. Escrevendo
sobre ele, Greg Nyquist afirmou: "Michael Polanyi era
um químico treinado nos métodos da ciência. Ele compreendeu,
como poucos filósofos especulativos, a necessidade de
derivar teorias de fatos, e não fatos de teorias. Mas
Polanyi foi mais que um cientista - foi um pensador
refinado e crítico que não hesitava em questionar as
mais arraigadas convicções de sua disciplina".
Polanyi serviu como médico do exército
austro-húngaro durante a primeira guerra mundial. Em
1938, junto com Raymond Aron, Friedrich A. Hayek e Ludwig
von Mises (autor também editado pelo Liberty Fund),
integrou a sociedade de intelectuais concebida por Walter
Lippmann para restabelecer os ideais do liberalismo
clássico.
É curioso assinalar que A lógica
da liberdade - Reflexões e Réplicas, de 1951, chega
ao Brasil no momento em que se está publicando aqui
O romance do cárcere, de Nikolai Bukharin, "o
garoto de ouro da revolução", como o chamava então o
camarada Stálin, que viria a se tornar o seu algoz.
Digo curioso porque Polanyi visitou a Rússia em 1935,
ocasião em que tomou consciência do contraste entre
as suas idéias e as de Bukharin sobre a natureza da
ciência. Polanyi defendia a ciência teórica pura como
modelo da liberdade pública, enquanto para o teórico
e revolucionário russo a pesquisa científica só tinha
valor se estivesse acoplada a finalidades práticas e
materiais. Esse debate acabou levando-o a escrever Personal
Knowledge, que traz importantes contribuições à
epistemologia, como seus conceitos de "dimensão tácita"
e "inversão moral".
Vale também mencionar a correspondência
de Michael Polanyi com o irmão Karl, com Hayek, Keynes,
Arthur Koestler, Karl Mannheim, T. S. Eliot e diversos
outros notáveis do pensamento do século XX, na expectativa
de que o Liberty Fund em breve inclua no catálogo uma
abrangente antologia desse relevante acervo.
4. Cartas, de Jacob Burckhardt
(1818-1879)
Num ensaio dos anos 40, Otto Maria
Carpeaux chamava a atenção para a importância de Burckhardt.
Seu grande amigo Franklin de Oliveira me comentou diversas
vezes que Carpeaux sempre insistia na necessidade de
o Brasil ler as cartas de Burckhardt. Demorou, mestre
Carpeaux, demorou, meu querido Franklin, mas agora elas
estão em português!
Organizadas e selecionadas por Alexander
Dru, a presente antologia ganhou aqui um erudito ensaio
introdutório de Luiz Costa Lima. Este livro nos releva
o lado humano de Burckhardt, suas impressões de pessoas
e situações, seus dramas pessoais, a singular vida de
um solteirão na Basiléia de seu tempo, sua relação com
Nietzsche.
E lembro aqui o que escreveu o filósofo
Giorgio Coli (1917-1979), em Per una Enciclopedia
di Autori Classici (1983): "Os pensamentos mais
preciosos de Burckhardt foram recolhidos por Nietzsche.
A amizade entre esses dois homens permaneceu oculta
aos olhos profanos e não é possível - nem nobre - determinar
a medida da influência recíproca. Mas é certo que muitos
pensamentos essenciais de Nietzsche já se encontram,
pelo menos em sua ideação nua, em Burckhardt, sobretudo
nas Reflexões sobre a História Universal. Tal
é o conceito de cultura, a importância do grande indíviduo,
a interpretação completa da Grécia e mesmo a idéia de
potência, que em Nietzsche se converterá num conceito
psicológico e metafísico, mas cuja primeira configuração,
no terreno concreto da história, é obra da agudeza e
da fantasia de Burckhardt".
Escritas entre 1838 e 1897, as Cartas
em certos momentos quase anunciam uma autobiografia,
tal a autenticidade e desprendimento com que Burckhardt
as escreve. No Brasil ele teve editados o seu clássico
Reflexões sobre a História e ainda A Cultura
do Renascimento na Itália, mas ambos estão esgotados.
5. Sobre a História e outros ensaios,
de Michael Oakeshott (1901-1990)
Embora inédito no Brasil, Oakeshott
é mais conhecido aqui por seus livros de ciência política,
principalmente pelos ensaios que dedicou a Thomas Hobbes.
Já o Oakeshott filósofo da história é quase inteiramente
ignorado, inclusive por historiadores. A razão disso
parece ser o fato de que as universidades brasileiras
de história continuam muito atentas à produção francesa
em detrimento da filosofia analítica da história de
tradição inglesa. Esse distanciamento entre o que se
produz na Inglaterra e na França em matéria de filosofia
da história, cuja repercussão acaba refletindo em países
como o Brasil, pode ser comprovado, por exemplo, ao
se examinar um livro da importância de A Mémoria,
a História, o Esquecimento (ed. Seuil, 2000), do
prolífico Paul Ricoeur, onde, entre tantos temas, analisa
a epistemologia da história e a hermenêutica da condição
histórica. Embora cite o The Idea of History,
de Collingwood, ignora Oakeshott.
Um dos muitos méritos da arguta introdução
à edição brasileira do historiador Evaldo Cabral de
Mello - que se antepõe ao estudo de Timothy Fuller à
edição original - é justamente discutir as semelhanças
e diferenças entre Oakeshott e Collingwood. Evaldo também
assinala este nosso distanciamento da filosofia da história
nascida na Inglaterra. Devo dizer que o ensaio de Evaldo
Cabral muito enriquece a edição; é o primeiro que se
publica entre nós sobre o Oakeshott filósofo da história,
e sua leitura me deixou com a desconfiança de que Evaldo
vem, secretamente, preparando um livro sobre metodologia
e filosofia da história, que com certeza se tornará
referência obrigatória, a exemplo de seus muitos livros,
notadamente os que dedicou ao período de dominação holandesa
no Brasil.
A estes cinco títulos, já disponíveis,
se seguirão:
6. Ensaios Morais, Políticos
e Literários, de David Hume (1711-1776)
Com estudo introdutório à edição
brasileira escrito pelo cientista político Renato Lessa,
nas quase mil páginas desse volume o leitor encontrará
a totalidade dos ensaios escritos pelo genial filosófo
escocês, afora a Autobiografia. Com essa publicação,
que se segue à tradução do Tratado da Natureza Humana,
o leitor brasileiro de filosofia passa a ter acesso
à quase totalidade da produção de Hume, e digo quase
porque ele é autor também de uma imensa História
da Inglaterra, publicada em cinco volumes pelo Liberty
Fund, e da qual pretendemos em breve editar pelo menos
uma alentada antologia.
Os ensaios tratam de variados assuntos:
da liberdade civil, do caráter nacional, dos impostos,
do dinheiro, dos juros, da poligamia e dos divórcios,
dos preconceitos morais, da avareza, do suícidio e da
imortalidade da alma, entre tantos outros.
Hume era um ser humano admirável.
Nos Ensaios a inteligência da argumentação se
junta à beleza da prosa, uma das mais perfeitas de toda
a literatura em língua inglesa.
7. A Perfectibilidade do Homem,
de John Passmore.
"Este livro é um pouco incomum, abrangendo
três mil anos e mergulhando na filosofia, na teologia,
nas religiões do Oriente e do Ocidente, nos ideais políticos
e sociais, assim como no teatro", escreve o filósofo
australiano John Passmore no prefácio de A perfectibilidade
do homem, alertando o leitor sobre a ambição e a
abrangência de seu projeto. Professor de filosofia na
Escola de Pesquisas em Ciências Sociais e do Instituto
de Estudos Avançados de Canberra, na Universidade Nacional
da Austrália, John Passmore, nascido em 1914, publicou
este livro em 1970, mas ele foi concebido e escrito
nos anos 60. Até hoje inédito no Brasil, A perfectibilidade
do homem começa com uma análise das diversas interpretações
dadas aos conceitos de perfeição e perfectibilidade
ao longo da História, desde os antigos gregos aos dias
atuais, passando pelo cristianismo, o Renascimento,
o Iluminismo, o anarquismo, as utopias, o comunismo
e as teorias evolucionistas do homem e da sociedade.
8. Os Limites da Ação do Estado,
de Wilhelm von Humboldt (1767-1835)
O irmão de Alexander von Humboldt
foi uma personalidade polivalente. É um dos patronos
da universidade alemã. Homem de Estado e amigo de Goethe,
teórico da linguagem e pensador político, suas Obras
Completas, editadas entre 1903 e 1936, compõem-se
de 17 volumes. Sobre o livro que estamos publicando,
a súmula de suas idéias sobre o Estado e a sociedade,
escreveu José Guilherme Merquior: "Nele Humboldt exprimiu
um tema liberal profundamente sentido: a preocupação
humanista de formação da personalidade e aperfeiçoamento
pessoal. Educar a liberdade, e libertar para educar
- esta era a idéia da Bildung, a contribuição
goethiana de Humboldt à filosofia moral". Acrescentou-se
na edição brasileira uma introdução assinada pelo filósofo
Denis Rosenfield.
9. A Fábula das Abelhas, de
Bernard Mandeville (1670-1733)
Estamos publicando a tradução da
clássica edição crítica de F. B. Kaye, elogiada, entre
outros, pelo economista e Prêmio Nobel Friedrich Hayek.
A edição brasileira foi enriquecida por excelente ensaio
introdutório do filósofo Denis Rosenfield. Num livro
fascinante publicado em 2001, Radical Enlightenment
- Philosophy and the Making of Modernity, 1650-1750,
Jonathan I. Israel, autor do clássico The Dutch Republic,
escreve sobre Bernard Mandeville, pensador nascido em
Roterdam, educado nos Países Baixos e radicado em Londres
a partir de 1693.
Jonathan Israel começa por assinalar
duas influências decisivas na formação de Mandeville
- Bayle e Burchardus de Volder; e, na contramão dos
que vêem a formação de Mandeville "num quadro insular,
e particularmente numa tradição por demais impregnada
de Hobbes", afirma: "Cumpre salientar que o envolvimento
de Mandeville com o universo intelectual holandês não
cessou de modo algum com sua mudança para a Inglaterra.
Ao contrário, ele continuou a ler em holandês, bem como
em francês e latim, enquanto praticava medicina em Londres,
como provam as copiosas notas de rodapé em que cita
Aitzema, Bayle, Van Dale, Saint-Evremond e Leti, e a
freqüência com que se vale do contexto holandês como
exempla".
Mais adiante, Jonathan Israel chama
a atenção para a relação Mandeville-Spinoza: "O ativismo
radical de Mandeville em Roterdam em 1690-91 deve ser
visto como político, social e filosófico. Não surpreende
que um homem desses reflita a influência de Johan e
Pieter de la Court, como tem sido acentuado por muitos
comentaristas recentes. Mas o que tem merecido menor
realce - embora inquestionavelmente mais importante
- é a estreita afinidade da sua filosofia política e
moral com a de Spinoza, com cuja obra, se bem que jamais
a cite, temos motivos para crer que ele tivesse a maior
intimidade. Na ética de Mandeville, o mais importante
dos príncipios norteadores é o de autopreservação. A
seus olhos, 'nada é mais sincero em qualquer criatura
que o desejo, a vontade, de salvar a pele'. Isso constitui
mesmo, para ele, uma lei da natureza. Nenhuma criatura
é dotada de apetite ou paixão que não esteja, direta
ou indiretamente, voltada para a sua preservação ou
para a preservação da sua espécie. Acresce que, como
Spinoza, mas não como Hobbes, Mandeville não atribui
qualquer papel às religiões organizadas na sujeição
de apetites animais, a não ser a função quase política
de instilar obediência, o que é feito gota a gota".
A desencantada visão de mundo do
autor da Fábula há séculos fascina os mais diferentes
pensadores, entre eles Samuel Johnson e Marx. Mandeville
foi um defensor do direito das mulheres, e definiu o
luxo como "o que não é imediatamente necessário à subsistência
dos homens". No Brasil um dos primeiros a escrever sobre
ele foi Eduardo Frieiro, num dos números da antiga Revista
do Livro (n° 1/2, junho, 1956). Uma das últimas referências
a ele entre nós é o capítulo que Eduardo Gianetti da
Fonseca dedicou ao exame da Fábula no livro Vícios
Privados, Benefícios Públicos?
10. Ensaios, de Lord Acton
(1834-1902)
John Emerich Dalberg, primeiro barão
de Acton, foi um notável historiador de formação católica,
que para muitos é apenas o autor da frase: "O poder
corrompe; o poder absoluto corrompe absolutamente".
Na verdade a obra ensaística de Acton não é pequena,
como poderemos em breve comprovar com a publicação da
antologia ora em preparo, e que foi extraída dos três
volumes dos ensaios completos publicados pelo Liberty
Fund.
Acton não estudou em universidades
inglesas mas sim na Alemanha, principalmente em Munique,
onde teve como mestre o historiador Düllinger. Parlamentar
whig, íntimo de Gladstone, esteve em Roma durante
o Concílio Vaticano, onde se desempenhou em 1870 como
vigoroso adversário da infalibilidade papal. É de sua
lavra o projeto de redação da Cambridge Modern History,
para a qual muito contribuiu. Durante anos alimentou
a idéia de escrever uma História da Liberdade,
mas não chegou a realizá-la. Em 1895, por designação
real, foi nomeado catedrático de História em Cambridge,
cargo que ocupou até a morte.
Influenciado em política por Edmund
Burke e Alexis de Tocqueville, em seus ensaios e conferências
Acton analisa variados temas e autores, dando particular
atenção à produção alemã referente à sua disciplina,
a obras sobre as relações entre a Igreja e o Estado
em diversas épocas, e muitos outros temas eruditos.
Eis os 10 primeiros livros da coleção
Liberty Classics, aos quais se seguirão autores como
Samuel Johnson, Adam Smith, Edmund Burke, ensaios fundamentais
sobre o direito natural, François Guizot, Benedetto
Croce, e vários outros títulos que estou submetendo
à apreciação dos diretores do Liberty Fund.
Considero da maior relevância para
a cultura brasileira a publicação em português de autores
desse calibre, porque entendo que só se produz grande
cultura quando se estabelece um sólido e permanente
diálogo com os clássicos. Há no Brasil muito disseminada
a tendência a não fazer nada e falar mal de quem faz.
Já ouvi por aí que essas publicações são parte de uma
cruzada neoliberal, ou coisa parecida. Isso é absoluta
bobagem, pois os autores em questão, pela importância
de suas biografias e densidade de pensamento, fecundam
e enriquecem a cultura e a filosofia ocidental séculos,
e não devem ser rotulados esquematicamente. Mas, a quem
insistir nesse ponto, só me resta lembrar que, segundo
o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, o nosso presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, cuja biografia todos conhecem,
"sempre foi neoliberal".
*****
Essa festa não é entrega do Oscar,
mas ainda tenho que agradecer a outras pessoas que me
ajudaram a realizar esse projeto - ao general Joubert
Brízida, verdadeira máquina de traduzir, responsável
pela versão em português das obras de Althusius, Babbitt,
e Michael Polanyi, além da tradução em andamento dos
ensaios de Lord Acton; a Renato Rezende, tradutor das
Cartas de Burckhardt e dos ensaios de Michael
Oakeshott; a Jesualdo Correia, tradutor de Humboldt
e John Passmore; a Luciano Trigo, tradutor dos ensaios
de Hume; e a Raul de Sá Barbosa, tradutor da Fábula
das Abelhas, de Mandeville, e também do livro que
deslanchou todo esse projeto: a Areopagítica,
de John Milton.
Agradeço aos designers Victor Burton
e Adriana Moreno, o primeiro responsável pelo projeto
gráfico e capas, e a segunda pelo folder; aos revisores,
especialmente a Clara Diament; a toda equipe da Topbooks,
que teve importância fundamental no sucesso do projeto,
e, por fim, à jornalista Christine Ajuz, minha mulher,
que muito me ajudou, funcionando como editora-assistente
no preparo da coleção Liberty Classics.
Em diversos momentos da produção
que agora começa a se tornar visível, me apanhei pensando
em três amigos já desaparecidos, e que sempre confiaram
no meu trabalho de editor. Eram liberais e pertenceram
à Academia Brasileira de Letras. Refiro-me a uma trinca
cuja amizade foi para mim uma bênção: José Guilherme
Merquior, Roberto Campos e Roberto Marinho. A eles dedico
esses 10 primeiros livros da coleção Liberty Classics.
Muito obrigado a todos pelo interesse
demostrado no Programa de Co-edições Liberty Fund/Topbooks.
Será distribuído a seguir um folder explicativo sobre
os 10 primeiros livros da coleção que ora se inicia,
e onde encontrarão também os endereços de nossos sites
na internet.
Convido a todos para bebermos em
homenagem a nossos amigos do Liberty Fund e à memória
do seu fundador, o empresário e humanista Pierre Goodrich.
E também à glória de Machado de Assis, o grande espírito
fundador desta Casa de Cultura que é a Academia Brasileira
de Letras. Muito obrigado!
José Mario Pereira
* Devido
ao falecimento de um de seus membros, a escritora Rachel
de Queiroz, no dia do lançamento da coleção (04/11/2003)
a Academia Brasileira de Letras cancelou o evento. Encontravam-se
no Rio de Janeiro o presidente do conselho (Chairman
of the Board) do Liberty Fund, Mr. Allan Russel; o presidente
de sua diretoria executiva (President), Mr. Chris Talley;
o sr. Emílio Pacheco, diretor executivo da instituição;
e o sr. Leônidas Zelmanovitz, gerente do programa editorial
em português do Liberty Fund, Inc.
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