JOSÉ MARIO PEREIRA:
A VIDA DELE DÁ UM LIVRO
Ele coleciona amigos poderosos -
foi amigo de Darcy Ribeiro, Aurélio Buarque de Holanda
e Rachel de Queiroz - e histórias incríveis. Conheça
melhor um dos editores mais talentosos do país.
Há alguns
meses a gaúcha Rosane Zelmanovitz recebeu a missão de
encontrar um editor brasileiro à altura de publicar
as obras do Liberty Fund, uma fundação americana voltada
às ciências humanas. Tarefa árdua dada a complexidade
e relevância do material, que inclui obras de alguns
dos maiores pensadores
ocidentais. Mas, ao entrar em uma livraria de Porto
Alegre e dar de cara com a Areopagítica, de John
Milton, preciosamente editada pela Topbooks, Rosane
concluiu que havia achado o editor ideal.
Ele atende pelo nome de José Mario
Pereira, e é dono da Topbooks. Nascido em Quixadá, no
Ceará, aos 16 anos já tinha lido toda a biblioteca da
cidade (1.500 livros) e nos últimos 30 anos virou amigo
dos mais influentes intelectuais, empresários e artistas
do país. Ainda adolescente, foi apresentado a Rachel
de Queiroz, que tinha um sítio na periferia de Quixadá.
"Na primeira visita, ela ficou impressionada com o quanto
eu conhecia de literatura e me deu Fogo Morto,
de José Lins do Rego", lembra Pereira, que desde então
teve acesso à biblioteca da escritora. Foi lá, lendo
Nietzsche e Sartre, que nasceu sua paixão pela filosofia.
Aos 17 anos ele já havia feito todos
os cursos escolares disponíveis em Quixadá, mas sua
família não tinha dinheiro para mandá-lo estudar em
Fortaleza. Até que a avó ficou doente e Pereira teve
de levá-la ao Rio de Janeiro. "Foram quatro dias num
ônibus caindo aos pedaços", conta. No Rio, seu primeiro
passeio foi à Academia Brasileira de Letras: ele queria
conhecer Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, que acabava
de lançar o dicionário Aurélio. "Dei sorte de encontrá-lo
na Academia. Quando comecei a conversar, ele me perguntou
se eu conhecia o salão. Eu disse que não. Dali a pouco
eu estava tomando chá com os imortais".
Após um mês de visitas à ABL, Pereira
teria de voltar a Quixadá, pois não tinha mais dinheiro.
Para sua surpresa, Aurélio lhe ofereceu um emprego.
"Fazia de tudo no escritório, de pesquisa a datilografia".
Com o emprego veio o acesso à biblioteca do chefe: "Eu
matava aulas só para ficar estudando na biblioteca dele",
conta.
Outro imortal, Alceu Amoroso Lima,
deu a Pereira uma carta de apresentação para que se
empregasse como assessor de Candido Mendes. "Minha tarefa
principal era ler", recorda. Depois, o editor Pedro
Paulo de Senna Madureira o chamou para trabalhar na
Imago.
NO QUARTO, SÓ AS BONITAS
Já trabalhando em editora, Pereira
leu um artigo de Darcy Ribeiro e quis conhecer o autor.
Acabou virando amigo. "Era aquele entra-e-sai de mulheres
na casa, uma festa. Fiquei tão íntimo que ele me deu
a chave do apartamento e disse: "Se for bonita, pode
usar a minha cama; se for feia, leva para a sala". Na
casa de Darcy, Pereira conheceu Glauber Rocha, Ferreira
Gullar e outros notáveis.
Na mesma época, Barbosa Lima Sobrinho
lhe deu um presente: "Ele se responsabilizou por mim
perante a Academia, o que me permitia retirar as obras
que eu quisesse da biblioteca", relembra. Após passar
por redações de jornais, Pereira abriu sua editora,
a Topbooks, disposto a publicar só obras relevantes.
Seu primeiro sucesso foi A lanterna na popa,
de Roberto Campos. "Eu não tinha dinheiro nem para comprar
o papel e havia duas grandes editoras interessadas em
publicar suas memórias, mas o Roberto gostou da proposta
que fiz: dividiríamos os lucros em 50% para cada um,
e eu ainda trabalharia como pesquisador, divulgador,
e o que mais ele precisasse". O papel Pereira comprou
a crédito, tendo por avalistas poderosos como Roberto
Marinho e Israel Klabin. "O dono da empresa de papel
não acreditava, ligou para a secretária deles para ver
se era verdade".
Será que alguém com tantos amigos
tem inimigos? "Há muita canalhice no mercado editorial.
Algumas pessoas não entendem como alguém sai do interior
do Ceará e vira amigo de Maitê Proença, Paulinho da
Viola e José Lewgoy. Deve ter gente me chamando de puxa-saco,
mas na verdade o que eu sou mesmo é um batalhador incansável".
Euclides da Cunha escreveu que "o
sertanejo é antes de tudo um forte". No caso de Pereira,
um forte de sorte e personalidade cativante.
AS PRECIOSIDADES DO LIBERTY FUND
QUE O EDITOR VAI TRAZER AO BRASIL
O Liberty Fund, cujas obras José
Mario Pereira vai editar no Brasil, foi criado em 1960
por Pierre F. Goodrich, um milionário de Indianápolis,
que apostava nos livros como o melhor meio de deter
a expansão do comunismo. Dedicada à reflexão e ao debate
sobre a liberdade, a fundação de Goodrich, que era advogado
e empresário, manteve-se atuante mesmo após a sua morte,
em 1973, e vem publicando edições primorosas dos maiores
clássicos do pensamento ocidental. Em sua sede, o Liberty
possui, por exemplo, toda a bibliografia mundial sobre
a vida de Jesus Cristo, as obras de Plutarco e Tácito.
Entre os títulos publicados pela Topbooks estão Política,
de Johannes Althusius, Democracia e liderança,
de Irving Babbitt, Sobre a História e outros ensaios,
de Michael Oakeshott, Cartas, de Jacob Burckhardt,
e A lógica da liberdade, de Michael Polanyi.
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