UM SALTO DE QUALIDADE
Cecília Costa
"Para
fazer bons livros, faço pacto até com o diabo”, afirma
o editor José Mário Pereira, dono da Topbooks. Felizmente,
este pequeno grande Fausto, leitor voraz de jornais
e devorador noturno de obras sociológicas, filosóficas,
biografias ou grandes romances, não precisou vender
a alma a Mefistófeles e assinar com o próprio sangue
um contrato que o levaria ao Inferno.
Foi salvo pelo gongo, ou seja, pela
corneta divina ou pela mão estendida por um morto extremamente
generoso: Pierre Goodrich, patrono do Liberty Fund,
fundação americana criada nos anos 60 por este empresário
milionário, proprietário da telefônica de Indianápolis.
Morto em 1973, Goodrich, que combateu
na Primeira Guerra Mundial e viveu, após a Segunda Guerra,
os tempos maniqueístas da Guerra Fria, temia as idéias
coletivistas e considerava que a melhor maneira de combatê-las,
em nome de seu ideário liberal, era editar clássicos
de economia, política, sociologia e filosofia.
Uma boa formação acadêmica, segundo
o educador idealista e empreendedor, estimularia o pensamento
crítico e se tornaria a melhor arma americana contra
o vírus do totalitarismo stalinista. Nos EUA, o Liberty,
além de fazer colóquios para debater os rumos do mundo,
o passado, o presente e o futuro da Humanidade, editou
um catálogo de mais de 250 preciosos livros, base do
pensamento liberal, que vão desde Adam Smith, passando
por Benedetto Croce, Tayne, David Hume, Spencer, Benjamin
Constant, Samuel Johnson, George Washington e outros
presidentes, fundadores da democracia americana.
Em sua sede, o Liberty tem uma biblioteca
alexandrina — o Goodrich Room — composta por clássicos
da literatura e da História ocidental, que incluem,
por exemplo, toda a bibliografia mundial sobre a vida
de Jesus Cristo, as obras de Plutarco e de Tácito ou
o “Beowolf”, poema épico inglês. No caso de muitos desses
livros, fundamentais para quaisquer formações, não importando
a coloração ideológica, os membros da nababesca fundação
— seu patrimônio, cuja origem foi a fortuna do fundador,
é da ordem de centenas de milhões de dólares — apóiam
a edição, nos EUA, ajudando a distribuí-los em escolas
e universidades.
Para os que conhecem um pouco a cabeça
efervescente de José Mário, é possível perceber que
a parceria entre o Liberty Fund e a Topbooks funcionou
como sopa no mel, tão surpreendente é a identidade entre
os interesses do editor brasileiro e os da instituição
educativa criada por Goodrich. Impossível crer em coincidência.
O encontro já estava marcado nas estrelas. Incumbida
de encontrar no Brasil um bom editor para as obras financiadas
pela fundação de Indiana, a gaúcha Rossana Zelmanovitz,
mulher de Leônidas, gerente editorial do Liberty em
nosso país, deu de cara numa livraria com a “Areopagitica”
de John Milton, cuidadosamente editada pela Topbooks.
E maravilhou-se, já que, entre os mais de 250 livros
do acervo da entidade, encontrava-se justamente esta
obra de Milton. Um segundo alumbramento de Rossana foi
causado pela visão dos “Panfletos satíricos”, de Jonathan
Swift, também editado pela Topbooks. Enfim, o Brasil
tinha exatamente o que o Liberty Fund queria: Zé Mário
Pereira. E com isso passa a ser o primeiro país do mundo,
fora os EUA, a receber as doações da fundação para a
publicação de livros.
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O GLOBO
Rio de Janeiro
01/11/2003 |