ANDANDO NA CORDA
BAMBA
Há poucas atividades no Brasil tão
vilipendiadas quanto a de editor. Em geral somos reputados
como seres desprovidos de cultura, que vivem da exploração
e comercialização do talento alheio. Ninguém lembra
que a falência arrasta um número bem maior de editores
que de escritores. Não se leva em conta a enorme quantidade
de autores que só se tornaram conhecidos depois de ter
seus originais devidamente copidescados e rearrumados
no dia-a-dia das editoras. E é claro que, quando o livro
sai, a concisão, a leveza e a elegância de estilo são
atribuídas ao autor. Mas já vi escritores famosos reescritos,
por exemplo, por Pedro Paulo de Sena Madureira, hoje
à frente da editora A Girafa, de São Paulo. Não se comenta,
até porque ficaria deselegante, essa participação subterrânea
do editor no processo final de um livro. Falo neste
caso - e a distinção aqui é necessária - do editor no
sentido de editor, em inglês, e não do dono de
editora, que tanto pode ser um lutador de caratê que
herdou o negócio da família quanto um executivo interessado
em publicar best-sellers de qualidade zero apenas
para ganhar dinheiro.
Penso no editor como alguém que,
dentro dos limites e potencialidades de sua atividade,
contribui para que a cultura do país se fortaleça rumo
ao futuro. Dois exemplos de imediato me ocorrem: Erasmo
de Rotterdam e Denis Diderot. O primeiro trabalhou,
em seu tempo, para que a grande cultura greco-latina
se tornasse conhecida e reavaliada; o outro é o inquieto
autor de Jacques le fataliste, o romance moderno
por excelência, que é também o responsável pelo sucesso
do projeto da Enciclopédia francesa. A missão
primeira do editor deveria ser a de empenhar-se para
que o humanismo ganhasse consistência - sobretudo entre
nós, brasileiros, que vivemos em uma região periférica
do mundo capitalista. Admiro, entre outros, meu saudoso
amigo Ênio Silveira, da Civilização Brasileira, e hoje
um Jacó Guinsburg, da Perspectiva, por contribuírem
neste processo.
No Congresso encontramos defensores
de tudo: do mico-leão dourado, das baleias, da arara
azul, das tartarugas marinhas. Desconheço, porém, quem
tenha sido eleito lutando pelo livro, advogando a necessidade
de o brasileiro ter acesso fácil à leitura, defendendo
o direito do cidadão à autêntica cultura que só o livro
pode dar. Na verdade somos uma categoria que, no conjunto,
é mais importante do que qualquer Ministério da Cultura,
mas não nos damos conta do fato. Neste início do século
XXI, constato que não formamos um grupo uno, coeso -
e isso é lastimável. Temos um Sindicato, mas na hora
necessária somos pouco ouvidos por aqueles que administram
a cultura no país. De outro lado, o governo não tem
uma política séria de aquisição de livros, que garantiria
a publicação de textos relevantes e esquecidos.
Há muito para se editar no Brasil.
Festejamos 500 anos de Descobrimento, mudamos de século
e ainda não fizemos a grande edição brasileira dos gregos,
de Aristóteles e Platão, nem nada que se compare ao
catálogo da Loeb inglesa, da Les Belles Lettres francesa,
da F. Meiner alemã ou da Gredos espanhola. Falta-nos
ousadia. Precisamos inventar, arriscar, e não copiar
o vizinho - mesmo quando a palavra de ordem é concorrência.
"Fazer um livro não significa mérito nenhum se este
livro não melhora as pessoas", escreveu o poeta inglês
Samuel T. Coleridge, em uma frase que deveríamos adotar
como lema.
Que não entendam o que digo como
romantismo ou defesa quixotesca da qualidade contra
a vendabilidade. Nossa atitude como editores deve ser
a de ajudar o país a ler mais, a ler melhor. Só assim
nos justificaremos perante as futuras gerações, adiando
o esquecimento que corrói tudo que é humano.
José Mario Pereira
Editor da TOPBOOKS |