POBRES E RICOS NA LUTA PELO PODER: o
novo livro de Leôncio Martins Rodrigues
Pesquisa aponta uma popularização
da classe política e afastamento das classes mais ricas.
Ricardo Mendonça
Leôncio Martins Rodrigues, autor do livro
Para o cientista político Leôncio
Martins Rodrigues há um processo de “popularização
da classe política” no Brasil, tendência que
tem afastado do poder os membros das classes mais ricas. Ele chegou
a essa conclusão após comparar os patrimônios
de deputados das últimas quatro legislaturas.
Em “Pobres e Ricos na Luta pelo Poder”,
seu novo livro, Rodrigues sustenta que isso ocorre simultaneamente
à tendência de encarecimento das campanhas porque os
mais pobres encontraram trunfos eleitorais capazes de contrabalançar
o poder do dinheiro, como sindicatos, igrejas e ONGs.
Folha – O sr. fala em popularização
da classe política. Por quê?
Leôncio Martins Rodrigues – O recrutamento para
a classe política está se fazendo cada vez mais na
classe média e, em menor medida, nas classes trabalhadoras.
Observei isso em pesquisas sobre a composição social
da Câmara. A proporção de deputados vindos das
classes altas, ricas ou proprietárias tem diminuído.
Em 1998, deputados empresários ocupavam 45% das cadeiras.
Em 2010, baixaram para 37%. A queda foi maior entre os empresários
rurais, de 12% para 8%. Os urbanos mantiveram sua participação,
mas entre eles há muitos pequenos empresários, nem
sempre ricos.
Não é estranho que isso tenha
ocorrido num período de encarecimento das campanhas?
De fato, os avanços do processo democrático tornam
as campanhas cada vez mais caras. Um paradoxo. Acontece que esse
avanço e outras mudanças sociais, como escolarização
e urbanização, dão aos remediados e às
classes médias trunfos que compensam recursos mais escassos.
Quais são os trunfos usados para sucesso
eleitoral?
Podem ser recursos financeiros, redes familiares, cargos no governo,
sindicatos, associações de bairro, igrejas, meios
de comunicação. Variam conforme a classe social. Para
os mais ricos, dinheiro é o principal. Para as classes médias
assalariadas e trabalhadores manuais, os sindicatos e os movimentos
ditos sociais: de bairro, de moradores, sem teto, sem terra. As
centrais sindicais são a principal porta de passagem da representação
sindical para a política. Para jovens de classe média,
entidades estudantis, como a UNE (União Nacional dos Estudantes).
Quarenta por cento dos deputados tinham patrimônio
acima de R$ 1 milhão em 2010. “Popularização”
é mesmo a expressão mais precisa nesse universo?
É previsível que deve haver uma subestimação
do patrimônio. Além disso, muitos aumentaram o patrimônio
depois de eleitos. Entendo que popularização se liga
à massificação geral do mundo, fenômeno
que acompanha a modernização das sociedades. Um processo
que vem de longe e que, a rigor, começou após o fim
da República Velha. Com o termo popularização,
eu não quis significar que a Câmara é um órgão
popular, apesar de ser chamada de casa do povo. O termo indica uma
tendência de diminuição da presença das
classes ricas.
O senhor escreve que as classes altas não
parecem ter se alarmado com a ascensão dos que vieram de
baixo. Por quê?
Teria algumas hipóteses. A primeira é a consolidação
dos valores democráticos e o fato de os que estão
vindo mais de baixo terem ascendido por via eleitoral. Assim, há
sempre a possibilidade de um retorno dos perdedores. A segunda vem
do fato de a ascensão dos plebeus ter se dado aos poucos
e com propostas moderadas. E houve forte ligação das
novas elites políticas, representadas especialmente pelo
PT, com membros da elite econômica, especialmente empreiteiros.
O ex-presidente Lula reclama de preconceito
de classe, diz que a elite nunca aceitou a chegada de um operário
à Presidência. Ele tem razão?
Creio que não. Lula sempre foi muito bem aceito pelas várias
elites. Paparicado, eu diria. No início foi aceito pelo setor
militar e por empresários. Depois, recebeu apoio da Igreja
Católica. Houve também apoio da alta intelectualidade.
Todos esses fazem parte da elite, embora não sejam milionários.
Como isso que o senhor chama de popularização
da classe política se reflete na produção de
políticas públicas?
Ela se liga à política de massas. No campo eleitoral,
pela maior dependência da classe política do eleitorado
de baixa renda e escolaridade. Fortalece políticas distributivas,
que parecem trazer resultados eleitorais em curto prazo. Ou seja,
criam ambiente para o desenvolvimento do populismo.
Muitos falam em crise de representatividade
no Legislativo. Os protestos de junho de 2013 foram associados a
isso. Há também relação com popularização
da classe política?
Não vejo relação de causa e efeito. Mas os
dois fenômenos fazem parte de um mesmo contexto: a extensão
da participação e a presença das classes populares
na vida política. Políticos, partidos e as instituições
do Estado nunca foram avaliados positivamente pelo eleitorado. Isso
sempre aconteceu, mas agora temos quatro elementos novos: aumento
dos níveis educacionais e da informação entre
as classes populares, piora geral dos serviços, facilidade
de mobilização e a hegemonia de valores democráticos
e igualitários que deslegitima a repressão.
Leôncio Martins Rodrigues
Professor titular aposentado do departamento
de Ciência Política da Universi-dade Estadual de Campinas
(Unicamp) e membro da Academia Brasileira de Ciência (ABC).
Foi premiado pela presidência da república com a Grã-Cruz
da Ordem Nacional do Mérito Científico. É bacharel
em Ciências Sociais com mestrado, doutorado e livre-docência
em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP).
FOLHA DE S.PAULO
22/06/2014 |