O VERSO (IN)TENSO E PURO DE DÉBORA VENTURA
Carlos Nejar
da Academia Brasileira de Letras
A descoberta de uma verdadeira poeta é
descoberta de estranho e habitável mundo. Porque mundo é
o que sai do poema, e mais: de uma amiga do vento. É simples
como a água e o pão, e sacia a sede e alimenta; por
sermos ávidos do que é simples, límpido e permanente,
como o movimento da vida.
Assim é este livro da Débora, que
pode ser a Débora bíblica, pelo senso de realidade,
e é de Débora Ventura, que pega as coisas pela mão
da palavra, como a poesia quer. O verso intenso com textura de orvalho.
Não pensa o verso; o verso é que a pensa. É
genuína como Cora Coralina, de Goiás, e Cora Torres,
de Vento de Altura, no Rio Grande do Sul.
Poesia que é feminina, substantiva, suave,
com limpo horizonte e coragem para “o poema desfazer-se inteiro
diante do espelho”. No dizer de Jean Cocteau, “os espelhos
preferem refletir um pouco antes de reenviar as imagens”.
E o espelho de sua imaginação cintila no falar das
metáforas. Poeta de mão verdadeira que cresce a semente;
ou tem segredos na prateleira dos símbolos, com o dia vindo
pela janela.
Sim, Débora é surpreendente, e
possui “o pensamento escorrendo pelas arestas do osso”.
Há um osso de verdade nas imagens claras como nuvens que
se sucedem – e que o leitor vai reconhecer, por ter voz própria,
voz generosa de fonte, voz que precisa ser ouvida e que não
guarda pedra, por se “guardar humana”.
Não somente porque “viver é
preciso”, mas também o ato de “continuar é
preciso”. Não carece de vocábulos exatos, carece
de entrega ao ser amado. Tecendo sua juventude, desenhando o sol,
a casa ou árvore, sem deixar de contar, fio a fio, a existência.
Sim, esta poesia necessita de sol e margem e sabe conduzir o leitor,
tocando sua alma. Com tal mistério, não pede explicação;
como o “sono da noite”, que abraça a cidade,
o medo.
E é o mencionado Jean Cocteau quem afirma
que se “reconhece um poeta não pelo estilo, mas pelo
olhar”. E o olhar de Débora Ventura é cristalino.
Ou, no parecer de Mário Quintana, “o poeta é
uma voz reconhecível dentre as outras” – como
sucede neste livro. E, ao ver que “a vida é efêmera”,
capta o instante para eternizá-lo. Já que a poesia
encaixa apenas na luz.
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