A INVENÇÃO REPUBLICANA / CAMPOS SALES, AS BASES E A DECADÊNCIA DA PRIMEIRA REPÚBLICA BRASILEIRA
Poucos livros têm o dom da sobrevivência. É o caso deste. Inovador na estreia, afrontou a tese de que o formato das instituições políticas se explicaria apenas por alinhamentos de classes sociais. Contra tal determinismo estrutural, Renato Lessa privilegia o momento decisivo da história brasileira: a instauração do regime republicano. Nesse tempo entrópico – a metáfora que ancora o argumento − atores, ideias e processos políticos giravam vertiginosamente.
O livro foi pioneiro em apontar para a lógica política própria da Primeira República, para além do mero ensanduichamento histórico entre o Império e o Estado Novo. Mais que simples sucessão de oligarquias no poder, a mudança de regime, de Monarquia a República, exigiu a invenção de formas de convivência política que acomodassem novas elites a postos também novos, e regrassem os conflitos entre elas.
Em meio à incerteza da "década do caos", uma nova ordem política foi sendo construída. Lessa foge do determinismo que reduziria a política ao econômico, mas também recusa o extremo voluntarismo. Em vez de tributar a produção de processos históricos a líderes excepcionais, mostra como homens comuns, com paixões e interesses comezinhos, em busca de poder e nomeada, constroem instituições. Aponta igualmente o reverso da moeda: a incapacidade dos atores políticos de controlar as consequências de suas ações − a impossibilidade dos criadores de dominarem sua criatura.
Em forma do ensaio, profuso em referências greco-romanas, combinando inspirações provindas de Hume, Beckett, Arendt, o texto é decididamente interdisciplinar, ao mesmo tempo em que aborda a questão fundamental da ciência política: como se constitui, como se mantém e como decai uma ordem político-institucional?
Embora se concentre na política dos governadores, tramada durante o governo de Campos Sales, Lessa tece um fio da crise do Império à ascensão do Estado Novo; um pós-escrito delineia o colapso do Modelo Campos Sales pré-revolução de 1930. A Invenção Republicana narra, assim, gênese, desenvolvimento e decadência de uma ordem política tão excludente quanto a imperial que a antecedeu.
Lançado em 1987 e acrescido, nessa nova edição, de dois anexos – um deles sobre os sentidos de "oligarquia" – o livro não perdeu seu frescor. Erudito, elegante, reflexivo, segue indispensável para quem deseja entender os dilemas e impasses do início da República, vários dos quais, desafortunadamente, ainda hoje nos assombram.
Angela Alonso
Professora da USP e presidente do Cebrap
Este livro de qualidade é um dos estudos mais penetrantes que conheço sobre o mecanismo político da "República Velha", analisado no caso particular de Campos Sales, conservador esclarecido que não separava a ação política do pensamento. O senso histórico permitiu inclusive a Renato Lessa incorporar ao seu tema certo método que vinha do regime monárquico, e dá ao livro uma espécie de terceira dimensão esclarecedora.
Antonio Candido
Nessa obra, Renato Lessa desenvolve uma reflexão de grande originalidade sobre os vários sentidos da experiência republicana no Brasil, explorando sua descontinuidade, seus conflitos e ambiguidades. A descontinuidade, por sua vez, como bem mostra, curiosamente não evitou uma certa herança que carregamos até hoje. Pensador cético, o autor usa as ferramentas críticas dessa filosofia em uma análise histórica e política que desfaz alguns dos mitos mais centrais de nossa tradição.
Danilo Marcondes |