ANATOMIA DO ÓDIO - NA FAMÍLIA, NO TRABALHO, NA SOCIEDADE

O ódio, esse gigante da alma, como o definiu Mira y López no título de seu famoso livro, é, sem dúvida, uma das grandes sombras a envolver a civilização nesse terceiro milênio. Não que em algum período da História ele se tenha ocultado – Nisi Orbe sine Irae, não há mundo sem ira – mas, de fato, há momentos dramáticos nos quais se revela o grande e explícito protagonista das ações humanas, como ocorreu nas décadas de 10, 30 e 40 do século passado, e nos sombrios dias em que vivemos. A ausência de equidade nas relações internacionais, a ameaça de um recrudescimento imperialista hegemônico, o ressurgimento dos conflitos religiosos e étnicos, tudo age para acentuar a onipresença do ódio, como escárnio às nossas ancestrais esperanças de uma perfectibilidade humana.

Em Anatomia do ódio – na família, no trabalho, na sociedade, Joaci Góes realiza investigação profunda, espantosamente rica, virtualmente completa desse sentimento inerente e até necessário à vida, e em cuja possibilidade de repressão repousa a base mesma do processo civilizatório. De uma perfeita atualidade, o que mais causa admiração em sua pesquisa é a variedade de pontos de visão sob os quais o assunto é metodicamente estudado. A anatomia do título se justifica plenamente, tendo em vista a maneira como são descritas em detalhes as origens orgânicas do sentimento em questão, partindo delas para a dissecção vastíssima de suas ações sobre o indivíduo e a sociedade. A medicina, a psicologia, a psicanálise, a sociologia, a história, todas as formas de conhecimento do homem se reúnem neste ensaio, com invariável bom senso e isenção crítica da parte do autor.

Vale ressaltar que não apenas o ódio é agudamente analisado aqui por Joaci Góes, mas também o séquito de outras emoções e estados que o acompanham por associação ou rejeição. O medo, uma das bases geradoras do ódio; o amor, tantas vezes invocado como seu oposto; a indiferença, a tristeza, a inveja, a melancolia, a frustração, a depressão, todos os fenômenos psicológicos que cercam o “gigante rubro” – na feliz expressão do já lembrado Mira y López – são brilhantemente examinados nesse estudo exaustivo, baseado em vasto conhecimento de fontes científicas, as mais atuais, sem esquecer, no entanto, as demais teorias sobre o tema já levantadas pela inteligência humana.

Para além do clima internacional de nossa época, não podemos deixar de lembrar a situação geral da América do Sul, e de nosso país especialmente, dentro do ambiente difuso de irracionalismo e violência deste século XXI. Do ódio mais explícito ao mais silencioso, da violência íntima à francamente coletiva, Joaci oferece ao leitor panorama fascinante de um dos componentes mais sombrios e lamentavelmente esquecidos da consciência de todos nós.