| O ENDEREÇO NOBRE DA POESIA Ivan Junqueira  Surpreende (ou mesmo causa espanto) que um autor 
              da estirpe e da estatura de Izacyl Guimarães Ferreira 
              seja tão pouco lido entre nós, sobretudo porque já 
              publica seus livros há bastante tempo: o primeiro, Os 
              endereços, louvado por Hélcio Martins – 
              e que conquistou na época um importante prêmio literário 
              –, data de 1953, tendo dele sido impressos apenas 116 exemplares 
              pela Hipocampo. Bem-aventurados os poucos que o leram, pois ali 
              já aflorava um poeta excepcional, dono absoluto de seus recursos 
              e de uma dicção a que chamamos voz própria, 
              mais rara ainda naqueles que estreiam, como o atestam vários 
              poemas do volume, entre os quais “Intervalo”, “Indagações”, 
              “Missa” e “Casal”. O problema é que 
              Izacyl, recluso por natureza e discreto por destinação, 
              continuou a cuidar que sua obra só fosse publicada em edições 
              quase clandestinas e de difícil acesso por parte do público 
              leitor, que até hoje praticamente o desconhece, pois ele 
              insiste em manter-se fiel ao ensinamento daquele antigo aforismo 
              de Heráclito de Éfeso: “A natureza ama ocultar-se”. Mas, para gáudio de todos nós – 
              em particular daqueles que ainda não o leram –, publica-se 
              agora esta sua generosa ANTOLOGIA POÉTICA, onde se 
              reúnem composições das 16 coletâneas 
              produzidas entre 1953 e 2008, totalizando nada menos que 55 anos 
              de atividade poética. E que poesia será essa que permaneceu 
              por tanto tempo quase esquecida? Antes de mais nada, há que 
              sublinhar a sua alta lição no que toca à linguagem, 
              limpa, concisa, amiúde contida e, a um só tempo, rigorosa 
              e espontânea. Há nela, sem dúvida, algo de Drummond, 
              de um Drummond sabiamente metabolizado e que jamais interfere na 
              voz própria de Izacyl. Há nela, ademais, outras ilustres 
              vozes, sobretudo de Espanha, pois estamos diante de um poeta extraordinariamente 
              bem nutrido, como o são, de resto, todos os grandes poetas. 
              E há, enfim, muito mais: inteligência métrica, 
              austeridade vocabular (é de ver o extremo cuidado e a fina 
              sabedoria com que escolhe as palavras), lirismo autêntico 
              e comovido, um certo coloquialismo cotidiano que nunca resvala para 
              o anedótico, uso sistemático e refinado da rima toante, 
              ritmo seguro e controlado, imagérie opulenta e desconcertante 
              - enfim, uma admirável adequação entre o que 
              e o como da expressão verbal, coisa muito rara na 
              poesia que hoje se escreve entre nós. Percebe-se nesses textos, acima de tudo, a funda 
              e intransferível identidade de um criador, de alguém 
              que nos fala sem estridência - a cacofônica estridência 
              do Modernismo e de outras tantas vanguardas efêmeras e autofágicas 
              -, que nos fala de modo sempre pausado, mas com um vertiginoso sentido 
              de eternidade. Daí, talvez, como já observou Alberto 
              da Costa e Silva, a sonoridade de adágio de boa parte dos 
              poemas do autor, à qual se contrapõem, em dois de 
              seus livros - Memória da guerra e Entre os meus 
              semelhantes -, os versos curtos, ásperos e incisivos 
              do homem indignado diante da barbárie que se impôs 
              ao homem. Poeta medido, ainda que desmedido em sua paixão 
              e sua busca pela beleza, Izacyl Guimarães Ferreira fecha 
              a sua antologia com dois memoráveis conjuntos poéticos: 
              Discurso urbano, com o qual conquistou em 2008 o Prêmio 
              de Poesia da Academia Brasileira de Letras, e A conversação, 
              onde, à semelhança de um de seus maiores mestres, 
              San Juan de la Cruz, enceta um belo e ardente diálogo com 
              Deus à sombra daquela “llama de amor divino” 
              que aquecia a “noche escura” da alma do pastorcito 
              de Ávila. São muitos os poemas reunidos nesta antologia. 
              São textos soberbos de uma vida inteira consagrada silenciosamente 
              à poesia. Se me pedissem para escolher um ou outro, eu ficaria 
              com todos.   |