VIAGEM AO BRASIL EM 51 VIDAS
Roberto Muggiati
O Brasil vai, o Brasil sempre foi – segundo
Darcy Ribeiro – aos trancos e barrancos. Ou, como canta Elis
em Querelas do Brasil: “O Brazil não conhece o Brasil/O
Brasil nunca foi ao Brazil”. Tudo bem, temos lá nossas
querelas e mazelas, mas aqui também tem muita gente séria,
que já fez muita coisa boa.
É o que mostra Joaci Góes,
baiano de Ipirá, nessa alentada coletânea de biografias
que ele mesmo assume como heterogênea. Longe de ser um defeito,
isso traz notável diversidade à lista das personalidades
eleitas, que vão da política (José Bonifácio,
D. João VI, D. Pedro II, os presidentes Getúlio, JK,
Sarney, FH, Lula e Dilma) ao empreendedorismo (Barão de Mauá,
Amador Aguiar, Chatô, Roberto Marinho); da música (Villa-Lobos,
Caymmi, Roberto Carlos) ao esporte (Pelé, Ayrton Senna);
das artes (Aleijadinho, Portinari, Niemeyer) à literatura
(José de Alencar, Machado de Assis, Jorge Amado).
Alguém poderá dizer que tem muito
baiano nesse rol, mas não há como deixar de fora as
figuras marcantes de Castro Alves, Ruy Barbosa, Anísio Teixeira
e João Gilberto. Mulheres são só duas: a presidente
Dilma Roussef e Irmã Dulce, beatificada em 2011. (Joaci,
que cogitou de incluir a luso-baiana Carmen Miranda, a tenista Maria
Esther Bueno e a nossa Miss mais famosa, Marta Rocha, garante: “Estou
certo de que, quando refizer essa lista ou propuser uma nova, em
futuro próximo, o número de mulheres será sensivelmente
superior”).
O autor não se restringe a temas e personalidades
convencionais, mas visita áreas da vida brasileira geralmente
relegadas às sombras. O mundo da capoeira, por exemplo, é
retratado nos perfis geminados dos mestres Pastinha e Bimba; o do
espiritismo, na história de Chico Xavier. Pastinha e Chico
Xavier estão entre os mais longevos: viveram até os
92 anos, como Luiz Carlos Prestes; Caymmi, até os 94; Roberto
Marinho morreu aos 98, e Oscar Niemeyer dez dias antes de completar
105 anos.
Joaci Góes não esqueceu pioneiros
como o marechal Rondon, os médicos sanitaristas Oswaldo Cruz
e Carlos Chagas (merecedores de um Nobel de Medicina, segundo o
autor) e o Pai da Aviação, Santos Dumont, que, amargurado
com o uso bélico do avião (principalmente em céus
brasileiros, na Revolução de 32 em São Paulo),
se matou num quarto de hotel no Guarujá. Outro suicídio
notável é contado em cores vivas na tragédia
de Getúlio Vargas. E temos a descrição cinematográfica
do tiroteio – digno dos melhores filmes de bangue-bangue –
que culminou com a morte de Euclides da Cunha.
Acho admirável como Joaci Góes,
advogado, jornalista, político, homem de letras e empresário,
consegue circular com facilidade – e evidente prazer –
por este universo multidisciplinar. E, também, como consegue
transmitir, num tom prazeroso, sutilezas da psique e do talento
de gente como Pelé, Senna, Ivo Pitanguy, Gilberto Freyre,
Caymmi, Portinari.
No momento em que a biografia virou tema de debate
por todo o país, este livro surge como verdadeiro tratado
sobre a arte de contar a vida de uma pessoa. De brinde, o autor
nos dá ainda informações curiosas, como a de
que Woody Allen é louco por Machado de Assis, além
de detalhes da amizade de JK com os médiuns Zé Arigó
e Chico Xavier.
Ao leitor, só posso desejar: boa viagem!
|