Como nascem os Monstros
é um intenso e perturbador “romance não ficcional”,
na linha de A Sangue Frio, do americano Truman Capote (1924-1984).
O diferencial mais forte entre os dois, porém, é que
no livro de Rodrigo Nogueira – ex-policial militar,
preso desde novembro de 2009 na unidade prisional da PM (antigo
BEP / Batalhão Especial Prisional)– a narrativa tem
muito de autobiográfica: ele lança mão de suas
próprias experiências para contar a história
do soldado Rafael, treinado, desde muito jovem, não para
policiar, e sim para “eliminar o inimigo” a qualquer
custo.
O protagonista inicia sua trajetória
na PMERJ como um paladino da justiça, sonhando em “servir
e proteger” – como dizia o slogan de propaganda do governo
estampado nas fichas de inscrição para o concurso.
Aos poucos, a convivência com colegas mais velhos, curtidos
no dia a dia da frente de batalha entre polícia e bandido,
o transforma em guerrilheiro urbano, livre para saquear territórios
conquistados e eliminar pessoas quando julgar conveniente, fomentando
o círculo vicioso de violência e morte que tem pontuado
as ações policiais na região metropolitana
do Rio de Janeiro.
Fruto de trágica equação
– a equivocada política de segurança pública
do estado somada a uma formação torta e incipiente
nos quartéis da PM –, Rafael começa a seguir
o exemplo dos mais graduados e entra num caminho perigoso e cruel,
do qual não se tem volta. A primeira lição
que aprende é a achacar: o motorista em alta velocidade,
ou o que está sem documentos; o filhinho de papai que subiu
o morro pra comprar maconha ou cocaína; o marginal especializado
em saidinha de banco; o agiota que é também receptador
de joias roubadas; os traficantes de drogas, verdadeiros “donos”
das favelas. Ninguém vai preso, mas todos pagam o preço
acertado para se livrar da cadeia. Daí em diante é
ladeira abaixo: protegido sob a mística da farda, nosso “herói”,
aquele rapaz idealista que ansiava defender a ordem, passa a mentir,
roubar, extorquir, sequestrar e matar – sem compaixão
ou remorso.
Numa narrativa crua, veloz e às vezes
nauseante, em que o leitor chega a sentir o cheiro de pólvora,
o ex-PM tenta explicar o quase inexplicável: como um cidadão
comum, que recebeu na infância as noções de
certo e errado, ao entrar na Polícia Militar se transforma
num monstro sedento de poder, dinheiro e sangue? Quais são
os fatores que levam tantos ao abismo após a decisão
de assumir a farda? Por que é tão grande o número
de policiais criminosos?
Misturando fatos vividos por ele a outros experimentados
por colegas de trabalho, com alguns toques de ficção
para condimentar essa receita explosiva – e preservar a identidade
dos verdadeiros atores – Rodrigo Nogueira consegue, já
em sua estreia como escritor, criar uma obra impactante, de aflitiva
atualidade. Como nascem os monstros é livro que faz
despertar corações e mentes. |