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CONTROVÉRSIAS: ENTRE O "DIREITO DE MORADIA" EM FAVELAS E O DIREITO DE PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO / O "DIREITO DE LAJE" EM QUESTÃO

Maria Stella de Amorim
Socióloga, professora do PPGD-UGF e pesquisadora do INCT-InEAC

Conhecer o trabalho de Cláudia Franco Corrêa, assim como sua pessoa, é privilégio que permite conceder valor especial a seu livro. Dedicada a assuntos relativos ao direito de propriedade imobiliária, suas refinadas reflexões sobre o tema a levaram a enfrentar as dificuldades de acesso ao direito de moradia para segmentos da população brasileira menos privilegiada.

A autora não adotou discursos como álibis, nem justificativas para fugir da situação excludente do direito à moradia, por ela eleito como objeto de reflexão, tal como demonstra seu trabalho de campo realizado na favela de Rio das Pedras, entre os bairros cariocas da Barra da Tijuca e de Jacarepaguá. Ao contrário, ela acolheu o assunto e dispôs-se a investigar a reprodução social das condições de moradia e suas consequências sobre o modo de vida dos moradores, assim como os aspectos da informalidade das ocupações habitacionais nas dimensões econômicas e jurídicas locais, para confrontá-las com as “leis” do mercado e com a legislação oficial que regula o acesso à moradia, contrastando-as com o direito de propriedade vigente em áreas urbanas do Rio de Janeiro. E o fez mediante registros empíricos, de modo a estabelecer distinções e similaridades entre as realidades da vida vivida na favela e na zona urbana de sua vizinhança, esta delimitada por dois bairros que, nas últimas décadas, marcam a expansão metropolitana da cidade.

Cláudia Franco Corrêa leva o leitor a conhecer uma série de exclusões a que estão submetidos os moradores de Rio das Pedras – uma das maiores favelas da região metropolitana do Rio – frente a seus vizinhos da área urbana que a circunda. Diferentemente de favelas que crescem em muitas outras cidades, as cariocas não se restringem à periferia da cidade, mas se desenvolvem dentro dela, beneficiadas pela topografia da região de ocupação, entre os morros e o Oceano Atlântico que agracia igualmente todos os habitantes da cidade com praias deslumbrantes.

Rio das Pedras, entretanto, detém a particularidade de ser uma das favelas situadas na planície, que acompanhou a expansão dos antigos limites urbanos da cidade para a Barra da Tijuca, estendendo-se até Jacarepaguá. Com frequência os moradores fornecem seus serviços para os habitantes dos bairros vizinhos, considerados mais nobres, e que hoje a delimitam. Sua vizinhança, ao mesmo tempo em que se beneficia com a oferta de serviços fixos ou avulsos em seus domicílios, maldiz o panorama que desfruta da favela na planície vista do alto de seus apartamentos.

A sensação da farta oferta de serviços pouco qualificados e do panorama desgostoso, captado de janelas e varandas das moradias urbanizadas, faz lembrar um dilema insolúvel comum e nem sempre percebido por moradores da zona urbana e dos gestores públicos da cidade. Para os moradores da zona urbanizada, a visão das favelas é sempre incômoda e vista como um grave “problema” do Rio de Janeiro, conhecido como “Cidade Maravilhosa” e tão decantado no hino que assim o homenageia com orgulho para os cariocas. Já o contato mais próximo, por menos íntimo que seja, com qualquer morador de Rio das Pedras leva à imediata compreensão de que a favela é a “solução” possível para a vida de seus moradores, a começar pela disponibilidade de um abrigo que possam desfrutar para si e seus familiares. Logo, de uma perspectiva humanista, tal como a adotada pela autora, todos os brasileiros deveriam deter o direito básico de morar, seja em moradias bem instaladas e legais ou naquelas mais humildes e “ilegais”.

Assim a autora entende a questão neste valioso livro, Controvérsias, com que ora brinda seus leitores e na apreciação que faz do direito de propriedade, de posse e de usucapião como instituições jurídicas oficiais e, ao mesmo tempo, excludentes, pois acabam por vedar a brasileiros menos favorecidos a detenção do título de propriedade de sua moradia. Tal exclusão se manifesta na falta de um endereço oficial onde receber correspondência, para que possa estabelecer contrato de trabalho, abrir conta bancária, fazer empréstimos financeiros, ter acesso à justiça, entre outras dificuldades em que o fornecimento de endereçamento oficial é requerido. Muitos desses problemas, inexistentes para segmentos mais favorecidos da população brasileira, estão fortemente presentes na vida cotidiana de moradores de favelas do Rio de Janeiro.

Cláudia Franco Corrêa é também uma voz brasileira tardia, raramente presente no Brasil, que se dispôs a dispensar atenção às limitações do direito de propriedade imobiliária em nosso país, incluindo o direito de sobrelevação, inspirado pela verticalização de moradias nas favelas, por ela tratado como “direito de laje”, e assim admitido entre os moradores da favela investigada. O empenho da autora em instigantes questões afetas a tantos brasileiros que sobrevivem no âmbito da vulnerabilidade e da cidadania insegura chega, em boa hora, às mãos de seus leitores na atualidade.

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