EM NOME DA POBREZA
À entrada do milênio, momento propício
ao mergulho no passado e à renovação de projetos
para o futuro, a revolução social, ocorrida nos países
do Norte, e o avanço da pobreza, nos países do Sul,
permitiram reavaliar as contradições, ainda em curso,
do comportamento da classe bem-pensante e dos movimentos populares
ocorridos no espaço público: numa febril emulação
sociopolítica, buscavam, uns e outros, soluções
individuais ou classistas para problemas coletivos de fome, educação
e saúde.
Desse confronto, bem pouco restou tirante a abnegação
e competência dos profissionais sem fronteiras
e o empenho de algumas ONGs idôneas. A luta contra a pobreza
não passaria de engajamento experimental de neófitos
formados em verdadeiros workshops (o que lembra o convite
à pobreza, destinado a voyeurs, nas visitas a favelas).
Ao fim e ao cabo, a velha prática da caridade,
à maneira dos franciscanos e vicentinos, dos Irmãos
de Emaús ou dos soldados do Exército da Salvação,
ainda é o melhor exemplo do alcance clínico do combate
à indigência.
Se a formação de um pensamento
social e político ao longo do último século
¾ especialmente belicoso e pragmático ¾ nos
parece hoje modesta, isso se deve ao caráter solitário,
muita vez individualista, de suas manifestações.
Mas isso não é tudo. Este ensaio
nos instrui sobre a influência dos impactos e mudanças
sociais na teoria do conhecimento humano enquanto se blatera, em
nome da pobreza, um projeto de vida para a humanidade: tanto na
ONU como nos parlamentos, nacionais ou... municipais.
Foi a leitura de O socorro aos pobres,
de Juan Luis Vives, o filósofo espanhol fora da Espanha,
que imantou a autora às suas idéias e a levou, ao
que confessa, a divulgá-las no seu livro. Descobre-se, pontualmente,
que suas lições evolveram a mais amplos domínios.
Em resposta à essência mesma
da pobreza, que é a de um organismo vivo, sociológico,
sua doutrina alcança – segundo Maria José de
Queiroz – os direitos do homem, a economia como um todo, a
propriedade, a cultura, a literatura, a mensagem das grandes encíclicas.
Não é pois de admirar-se que nos inspire a percorrer
tão diferentes caminhos, obrigando-nos a eterna vigília.
Essas variações, de pesquisa lúcida
e aturada, acompanham, passo a passo, do Renascimento aos nossos
dias, a longa jornada dos homens à margem da história:
da Europa e da África à nossa América.
Veja-se o Sumário para comprová-lo.
Não contente de denunciar o pouco peso
da economia brasileira na economia mundial, paradoxo indecoroso
à vista de uma nação de 180 milhões
de habitantes, cujo produto nacional bruto é duas vezes menos
elevado que o da França, quatro vezes menos que o do Japão
e dez vezes que o dos Estados Unidos, a autora aponta, nos corredores
áulicos, a ação deletéria das unhas
afortunadas, das unhas agudas e das unhas fartas, ocupadas em surripiar
os cofres públicos.
Ante o assalto das unhas de tigre assanhado e
das unhas de leão rompante, habitués das
Atas das CPIs, não se pode senão chegar à amarga
confissão da geração do 98 espanhol: Dói-nos
o Brasil.
Graças à sutileza dos argumentos,
à boa escolha dos exemplos e das citações que
evidenciam a complexidade das teorias criadas e remendadas por eruditos
e amadores, este repertório não vem apenas despertar
indignação. Sua leitura induzirá o leitor a
renovar interrogações clássicas sobre a origem
e os limites do conhecimento.
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