JOAQUIM NABUCO E OS ABOLICIONISTAS BRITÂNICOS
(CORRESPONDÊNCIA 1880-1905)
Evaldo Cabral de Mello
O volume que o leitor tem em mãos contém
110 cartas trocadas entre Joaquim Nabuco e os dirigentes da British
and Foreign Anti-Slavery Society e outros militantes britânicos
da causa abolicionista no período 1880-1905. Trata-se ademais
de edição bilíngüe, organizada por Leslie
Bethell e José Murilo de Carvalho, que assinam uma introdução
primorosa onde situam a correspondência na atuação
emancipacionista de Nabuco. Como destacam os organizadores, embora
atingisse o objetivo de criar pressão internacional em favor
da abolição no Brasil, a parceria com os antiescravistas
da Grã-Bretanha oferecia riscos consideráveis à
carreira política de Nabuco, expondo-o à acusação
de antipatriotismo que então se fez ouvir contra ele, da
mesma maneira que, cerca de 90 anos depois, o regime militar acusaria
de antipatriótico quem denunciasse lá fora os seus
abusos e as desigualdades sociais imperantes no Brasil.
Na sua dimensão internacional, o abolicionismo
brasileiro, como salientam os organizadores deste livro, foi sobretudo
“uma luta pela civilização, pela incorporação
do país aos valores básicos da civilização
ocidental [...] contra uma concepção de nacionalismo
estreito que se afirmava ao custo de valores universais”,
valores cuja herança histórico-cultural o Brasil e
as nações espanholas do Novo Mundo também tinham
o direito de reivindicar. Sob esse aspecto, aliás, o Brasil
poderia fazê-lo até mesmo em condições
mais favoráveis que os Estados Unidos, onde os “obstáculos
insuperáveis” que a escravidão criara para “a
igualdade social” contrastavam, como percebeu Nabuco, com
a situação brasileira, onde a miscigenação
intensa dificultava a transformação da barreira da
cor em “fronteira política”.
À correspondência de Nabuco
com os abolicionistas britânicos não poderia faltar
o traço predominante de sua personalidade, que foi sempre
o equilíbrio exercitado quase como uma arte. Ao mesmo tempo
em que se regozija com “a unanimidade do sentimento abolicionista
em todas as grandes cidades do Brasil” – que, sendo
“total”, habilita a nação a realizar “muito
rapidamente a emancipação mais pacífica que
o mundo já viu em escala tão ampla” –,
Nabuco vê com grande lucidez as conseqüências de
longo prazo da imensa hipoteca que a escravidão lançou
sobre o futuro nacional. Para amortizá-la, desfazendo “o
mal que foi feito em séculos de opressão e rapina”,
serão indispensáveis “séculos de liberdade
e de justiça” (séculos, assim mesmo, no plural)
antes que se complete a missão de “um novo espírito
[...] na agricultura e no comércio, na política e
na educação”.
Repare-se em como ele enxerga sua tarefa de
abolicionista. “A emancipação [escreve em junho
de 1881 a Charles H. Allen] não pode ser feita por meio de
uma revolução, pois isso seria destruir tudo. Ela
só pode ser realizada por maioria parlamentar”, vale
dizer, através da reforma. Daí que, prevendo sua própria
derrota eleitoral nas eleições de 1881 e avaliando
que poderá “fazer muito pouco fora do Parlamento”,
Nabuco se disponha não a levantar heroicamente as massas
escravizadas para levá-las à redenção,
mas, muito prosaicamente, a “educar as pessoas com panfletos
e escrevendo”. Vacinado por sua intuição sociológica
contra a utopia das rupturas revolucionárias, ele também
veria, nos mesmos termos pragmaticamente reformistas, a grande tarefa
pós-abolicionista que, aos trancos e barrancos, o Brasil
ainda estará por muito tempo ocupado em realizar.
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