MEMÓRIAS DE UMA GUERRA SUJA
Claudio Guerra foi um dos policiais mais
poderosos dos anos 70 e início dos anos 80. Circulava no
eixo Rio-São Paulo-Minas Gerais-Espírito Santo com
a desenvoltura de uma autoridade anônima consciente de seu
poder de destruição humana. Hoje é um pastor
evangélico que passa boa parte das manhãs de domingo
estudando hebraico, e grande parte de seu tempo estudando a Bíblia.
Também desenvolve atividades sociais sob a supervisão
da Justiça, já que ainda cumpre pena de prisão,
recolhido numa instituição para idosos. E vive pedindo
por suas ovelhas: o tratamento difícil para alguma criança,
uma cirurgia de emergência, um olhar mais técnico sobre
um promissor jovem atleta de sua comunidade. Ex-policial experiente,
ele sabe que sua vida sofrerá graves mudanças a partir
da divulgação deste livro.
Claudio Guerra apenas começou a puxar
o fio de um novelo intrincado. A Comissão da Verdade, criada
pela presidente Dilma Roussef, poderá compor uma vasta pauta
de trabalho a partir deste livro: para tanto, bastará ler
seus relatos e organizar as investigações. Mas é
fato que, se não indicarem para a tarefa pessoas maduras,
isentas e equilibradas, inteligentes e objetivas e com capacidade
de investigação, não se chegará a muito
mais do que está aqui. Se a escolha recair sobre cidadãos
mais interessados em aparecer nos jornais usando a Comissão
da Verdade como trampolim, tudo acabará em espuma midiática.
A verdade é que dá muito trabalho investigar os crimes
do regime militar, mesmo com a ajuda de um informante como Claudio
Guerra.
Memórias de uma guerra suja
demandou quase três anos de trabalho, o que incluiu aproximação,
convencimento, idas e vindas, gravações sob compromisso,
conversas, conversas e conversas – pessoais ou através
do Skype – e ainda muita pesquisa. Depois veio a correria,
pois a segurança dos envolvidos começou a ficar vulnerável
à medida que as pesquisas avançavam. Infelizmente
fomos obrigados a tirar do livro fotos que não só
ilustrariam os episódios narrados como ajudariam a relembrar
os mortos pelos agentes da ditadura: pessoas que vivem disso não
liberaram a publicação. Mas, enfim, aqui está
a primeira amostra de uma série de crimes nessa guerra muito
suja – um bom ponto de partida para a investigação
séria, profunda e não revanchista dos abusos da ditadura. |