"NO JAPÃO – IMPRESSÕES
DA TERRA E DA GENTE", DE OLIVEIRA LIMA
Marco Maciel
Escrevendo a propósito do autor desta
obra, pioneira na bibliografia brasileira sobre o Japão,
que em boa hora se reedita, interrogava Gilberto Freyre: “...de
que brasileiro se poderia dizer, mais do que de Oliveira Lima, que
foi, desde seu primeiro livro, homem para quem intensamente existiu
aquilo que, nos nossos dias, viria a chamar-se pernambucanidade?”
É sob este signo, tão grato à
minha geração, que posso testemunhar a importância
de um dos maiores historiadores brasileiros. Dono de uma produção
das mais significativas, em que se destacam desde logo os clássicos
O Império Brasileiro e Dom João VI no Brasil,
a obra do pensador e diplomata pernambucano começa a ser
redescoberta pelas atuais gerações. A reedição
de No Japão - Impressões da Terra e da Gente
contribui para isso.
Não se trata apenas de uma síntese,
criteriosamente elaborada, sobre o país que é hoje
uma das grandes potências econômicas do mundo, mas um
retrato realista, objetivo e esclarecedor sobre o seu povo e sua
cultura. Oliveira Lima percebeu e anteviu sua capacidade empreendedora
e, neste sentido, o livro é profético e de importância
ímpar.
Não hesito em refutá-lo como uma
obra de referência, na medida em que antecipou, há
quase um século, muitos dos aspectos, como o dualismo da
vida japonesa, que depois vieram a ser tornar melhor conhecidos
graças à obra também clássica de Ruth
Benedict, O Crisântemo e a Espada (1946).
Como se tornou característica de muitos
de seus trabalhos, também aqui pode-se notar sua preocupação
com os aspectos psicológicos do caráter nacional japonês,
que serão convenientemente apreciados pelos leitores de hoje,
e que dão uma boa idéia de seu refinamento estilístico
e de sua arguta visão de historiador. Certamente porque,
como ensina Gilberto Freyre, esta era, sob o ponto de vista literário,
sua obra preferida - fato lucidamente ressaltado por Barbosa Lima
Sobrinho ao assinalar que “a paisagem do Japão vai
finalmente despertar no escritor as suas mais belas páginas
de arte e sensibilidade”.
Chegando ao Japão numa época de
dificuldades econômicas, nem por isso o jovem diplomata deixou-se
impressionar pela adversidade. Ao contrário, procurou contribuir,
com o vigor de sua força intelectual, para estreitar os laços
entre o Japão e o Brasil e reforçar suas relações
econômicas. Através dos relatórios, alguns notáveis
pela precisão técnica e documental, e dos artigos
que escrevia para a imprensa, ajudou a nos esclarecer sobre a realidade
do país em que servia. Como um autêntico antropólogo
de campo, passeou pelo Japão, sempre atento, procurando bem
compreender a terra e a gente do Império do Sol Nascente.
Suas observações terminaram por constituir um rico
painel que dá à sua obra a dimensão de incontestável
atualidade. A descrição da paisagem japonesa, que
ele conheceu e vivenciou, é reconhecidamente antológica.
Para mim, foi particularmente relevante constatar,
por ocasião de minha visita oficial ao Japão em 1995,
nas celebrações do Centenário do Tratado de
Amizade, Navegação e Comércio entre nossos
dois países, a riqueza de suas observações.
Mais do que manuais contemporâneos de divulgação,
elas revelam aspectos especialmente úteis a quantos queiram
entender a cultura japonesa e inteirar-se do extraordinário
dinamismo de seu povo.
Oliveira Lima, o “Dom Quixote gordo”,
como carinhosamente lhe chamava Gilberto Freyre, foi fonte de inspiração
permanente para os seus conterrâneos, a começar pelo
próprio Gilberto, que expressou sua dívida intelectual
de forma eloqüente ao escrever que “não me lembro
de mestre nenhum, exceto Boas, que viesse a exercer influência
tão poderosa sobre a minha formação, inclusive
sobre os estudos em que me especializaria: o patriarcado rural e
a miscigenação no Brasil”. Sua passagem pelo
Japão não ensejou apenas as observações
do intelectual respeitado e reverenciado que foi, pois preocupou-se,
inclusive, em trazer para sua terra natal o mangostão que
ele mesmo plantou, como testemunha o autor de Casa Grande &
Senzala. Morto em Washington, onde deixou sua preciosa biblioteca,
Oliveira Lima fez questão de que na lápide de seu
túmulo - uma pedra mandada de Pernambuco - se inscrevesse
um modesto e definitivo epitáfio: “Aqui faz um amigo
dos livros.”
A reedição de seu trabalho sobre o Japão não
é apenas uma oportuna homenagem a esse grande país,
no momento em que o Imperador Akihito visita o Brasil, mas um justo
tributo à memória de um dos mais refinados intelectuais
brasileiros, graças à oportuna e louvável iniciativa
da Topbooks que, para esse fim, conta com a colaboração
do especialista em questões nipo-brasileiras, Dr. Paulo Yokota,
e o apoio do jornalista e acadêmico Dr. Roberto Marinho, através
da NEC do Brasil.
Brasília, maio de 1997
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