O MENINO QUE COMIA FOIE GRAS

O texto de estreia de Pedro Henriques no “Caderno Gourmet” do jornal O Globo ecoou como uma bomba. E não era de chocolate ou vanilla. Embasado, viajado, refinado, apontava seus talheres para todos os lados, implacável, para o bem ou para o mal, sem perdão. Quem estava por trás do PH que assinava as crônicas? Mistério total. E assim foi. Por um bom tempo, tivemos a parceria desse crítico nas páginas sem saber de quem se tratava. Era um colaborador sem rosto, CEP ou DNA. "É o Boni", suspeitavam os amigos. "Não, é o Ricardo Amaral", diziam outros. Ou ainda: "É o Boni revezando com o Ricardo Amaral".

Certa vez, pedi a PH que, caso estivéssemos num mesmo espaço, que ele se apresentasse. Prometi que manteria bem guardado o segredo. "Você me conhece?", indaguei em uma das incontáveis mensagens que trocamos sobre restaurantes, viagens, cozinhas, serviços... "Sim", escreveu. "E eu, te conheço?". "Humm, acho que sim também", ele disse.  E a curiosidade triplicou.

Nossa troca de e-mails trazia, como "assunto", um título engraçado: "Curiosidade mais do que feminina". Por meses, essa "curiosidade" foi e voltou no meu correio. Uma vez, PH se vangloriou das delícias de desfrutar do anonimato quando ia aos restaurantes.  Respondi que eu nem sempre era reconhecida nos salões, mas, depois de quase duas décadas cobrindo essa área, sim, podia ser identificada por algum funcionário.

Foi quando me animei e parti, "camuflada", para conhecer um novo restaurante no Jardim Botânico. Queria também desfrutar integralmente do anonimato. Coloquei peruca, óculos escuros, e lá fui eu almoçar. Alguns amigos cruzaram comigo e não me reconheceram. Não fosse a agonia de estar equilibrando aquela cabeleira sintética, teria sido uma experiência espetacular. Na crítica sobre a casa, abri a coluna dizendo que ela era dedicada a PH, o meu amigo oculto (literalmente), que me fez passar o vexame de comer de peruca.

LUCIANA FRÓES
Fevereiro / 2018