O QUE SEI DE LULA
Flávio Tavares
Toda biografia é um retrato. Nem todas
as biografias, porém, radiografam as entranhas. E quase nenhuma
biografia perscruta o retratado com um telescópio, para entendê-lo
na vida e no mundo.
Este livro tenta tudo isso. Com a agilidade do
repórter e com a sensibilidade do poeta que é, José
Nêumanne Pinto conta aqui o que conhece e o que viu de Luiz
Inácio da Silva, indo ao fundo de coisas que ninguém
contou e que tornaram possível o nascimento de Lula dirigente
sindical e líder político. Como grande retrato, mostra
luz e sombra. O sertanejo criado no ABC paulista aparece em todas
as contradições que marcam sua vida – desde
as duas datas de nascimento (a oficial e a real) até os dualismos
e paradoxos do reinado presidencial, em que teve os votos e aplausos
dos pobres para proteger e mimar ricos banqueiros e grandes empresas.
Mais do que a análise do personagem, aqui
se revelam detalhes desconhecidos ou ocultos de sua vida. Aqui está
a reunião em que um emissário do general Golbery do
Couto e Silva, fundador do SNI, vai a São Paulo relatar a
Lula (em plena ditadura) os planos de “abertura política”
do general João Figueiredo, e o jovem líder sindical
lhe responde, com desdém, que não está interessado
nisso, mas “apenas no direito de greve”.
Além de contar dos caminhos tortuosos
e cheios de lama trilhados por Lula no poder, o livro penetra na
sua capacidade de fingir que ignora os males e só sabe do
bem. E faz entender como (na crista da corrupção do
“mensalão”) ele se transforma de presidente quase
deposto em 2005 ao reeleito com folga em 2006, como se nada tivesse
ocorrido.
Aqui está o prestidigitador da palavra,
que assimila em minutos as noções daquilo que ignora
e as lança em público como criação própria,
sem que se perceba que vomita algo que recém ingeriu ou bebeu,
e que não é dele.
Pode-se divergir de muitas conclusões
de José Nêumanne, mas até na divergência
elas lançam luz sobre o homem que se gaba de não ter
curso algum, como se ignorar fosse virtude a exibir, não
carência a redimir.
Este livro redime a figura de Lula da Silva
da visão grandiloquente que lhe dá a propaganda e
da sua contrapartida – a visão pequena que faz dele
um pigmeu aventureiro e triunfante entre os velhos gigantes-pigmeus
da política.
Neste livro de retratos sucessivos, Nêumanne
é antes de tudo um retratista: como um telescópio,
a lente grande-angular abarca a totalidade, para descer às
minúcias que só o microscópio capta.
Por isso, aqui, a luz provoca tanta sombra.
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