POEMAS TRANSCENDENTES / POEMAS IMANENTES
/ POEMAS...
Carlos Nejar
da Academia Brasileira de Letras e da Academia Brasileira de Filosofia
Considerado poeta bissexto por alguns –
o que esta coletânea contradiz pela grandeza do que contém
–, Israel Klabin prova aqui ter produzido obra poética
que merece ser reconhecida pela qualidade e pela resistência
ao tempo, que a tudo tenta apagar. Industrial com protagonismo na
empresa da qual seu pai, Wolf Klabin, foi um dos construtores, notabilizou-se
também como prefeito do Rio de Janeiro, conferencista de
circulação internacional, e à frente da pioneira
Fundação que criou, uma das mais atuantes e influentes
na ciência do desenvolvimento sustentável, reconhecida
no Brasil e no exterior.
Homem de temperamento dinâmico e cosmopolita,
não deixou que as solicitações do mundo o levassem
a abandonar a poesia, ou ser abandonado por ela. Companheiro de
geração do poeta e pintor José Paulo Moreira
da Fonseca, privou da amizade de João Guimarães Rosa,
Augusto Frederico Schmidt e tantos outros intelectuais e escritores
que lhe aconselharam leituras fundamentais à época
de seus 20, 30 anos. Com isso, criou apreço pelo verso longo,
influenciado por Charles Péguy, Saint-John Perse, René
Char, T. S. Eliot, e pelos grandes místicos de seu povo.
Assim é que a poesia de Israel Klabin dialoga com a eternidade
e com o presente.
É bom recordar que ele viveu, decerto,
o dilema entre a vocação das letras e a de homem de
ação, atuando durante o período desenvolvimentista
de Juscelino Kubitschek e estabelecendo pontes entre o Brasil e
o mundo. Integrou o grupo que ajudou a fundar o ISEB, e teve a seu
lado, entre outros, o sociólogo Hélio Jaguaribe. Sempre
aberto ao universal, fez-se interlocutor de Raymond Aron e Isaiah
Berlin, bem como de empresários do relevo de Nelson e David
Rockefeller, ou ainda de estrategistas do nível de Henry
Kissinger. Teve participação importante na consolidação
do Estado de Israel, e serviu diretamente a vários governos,
estreitando afinidades com Golda Meir, Levi Eshkol e Shimon Peres.
Hoje, com justiça, sua vocação
de poeta é redescoberta neste Poemas Transcendentes /
Poemas Imanentes / Poemas... Trata-se de uma poesia dotada da
capacidade de transfigurar a realidade, porque a realidade não
lhe basta, nem satisfaz sua energia transformadora. É uma
poesia visionária, afeita ao vocabulário nobre, ao
uso de metáforas que contemplam com alteza o horizonte desse
tempo, cercado pela “bruma do impossível”. Klabin
está marcado pelo “Cântico dos Cânticos”,
de Salomão, o que designa sua religiosidade e a busca de
um amor que é maior, por saber que “as muitas águas
não poderão apagá-lo”. Mas, como o Apóstolo
Paulo, também mantém o desejo de combater o bom combate,
certo de que “te acharei [refere-se ao Amado] com braços
feitos de luz, no fim dos tempos”.
Estamos diante de uma poesia que caminha para
o porvir; a palavra aqui é um instrumento para se alcançar
o eterno. A amada é o tema quando o autor diz: “Só
no instante a posse é completa”. Adiante se abre outro
capítulo, “Elêusis”, que é trabalho
do mito, onde se acha “Thria”, lugar de ventos fortes.
Suscita o rito religioso grego em que os participantes se purificam
no mar, seguindo em procissão, proibidos de falar sobre o
ritual secreto. E o capítulo desencadeia no que chamo de
“prosopoema”, espaço tênue entre poesia
e prosa.
Cada referência é traço de
passagem, como em “Rharian”, texto esotérico
e luminoso, onde a deusa Deméter planta sementes de trigo;
adiante, o “Soneto I”, sem seguir a forma tradicional,
é pungente nos tercetos finais: "Quisera enfim, oh,
vã loucura / teus olhos ter, teus olhos loucos/ teus olhos
ter quando já morto”. Não deixa de ser o transplante,
aqui, do “amador no ser amado”, de que nos fala Camões.
Com “Joníada”, prolonga-se a estranheza numa
viagem até Cérbero, o cão dos Infernos; a seguir
encontramos “Nínive” – e vejam os leitores
a sequência de lugares soturnos, em peregrinação
até “O Grande Peixe”, na procura pela bem-aventurança.
Mas não fica aí: o autor reinventa “Kikaion”
(a árvore da sombra), onde toda a história é
silêncio, sem amanhã.
Assim, num texto de textos que conduzem à
vertigem, ele demonstra o quanto Paul Valéry tinha razão
ao asseverar que “o poema é o desenvolvimento de uma
exclamação”. E a exclamação, nesse
caso, é toda de superação pela palavra. Os
poemas de Israel Klabin compõem um livro denso, vigoroso,
uma demonstração feliz de que a grande arte sabe propiciar
transcendência à história e aos homens. Eis
aqui um poeta singular, cuja voz merece ser ouvida.
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