VENHO DE UM PAÍS SELVAGEM
Alfredo Fressia
Rodrigo Petronio nasceu em São
Paulo em 1975, dizem as fichas biográficas, mas é
claro que ele vem “de um país selvagem”, um país
definitivamente poético e certamente não contaminado
pela prosa. Desse país já havia registro nos seus
livros anteriores: História natural (São
Paulo, 2000), Assinatura do sol (Lisboa, 2005), Pedra
de luz (São Paulo, 2005). É de fato um país
onde só um poeta inspirado, em pleno domínio da linguagem
mas também tomado por ela, poderia ser capaz de perder-se
e de se reencontrar em cada poema, como em cada passo da aventura
humana no Universo. Nem rousseauniano nem junguiano,
Petronio não aceita formular hipóteses nem recorrer
a símbolos ou teses.
Antes nomeia os elementos primeiros, a vida e
a morte, os ancestrais interrogantes, os deuses que o habitam, a
adivinhação nossa de cada amanhecer, o milagre da
eternidade e o desafio do fim. Ele é neste livro um poeta
para quem o amor propiciou o retorno ao magma de onde tudo surge
e que se situa num território nas antípodas do caos.
Neste mundo ordenado há avós, há um pai, há
uma mulher amada – amada até esvaziar o próprio
ser – mas a aventura permanece de todos nós, é
a aventura humana, e por isso ele cria uma poesia generosa, que
inclui o leitor, que conta com ele, que se recusa a existir fora
dele.
Sem dúvida, a lógica desta poesia,
ou da poesia tout court, leva “nossos passos sobre
a terra, entre as algas”. A preposição “entre”
deveria ser a mais reiterada nesta série que nos situa na
certeza de estar numa viagem perpétua, sempre num “ir
para”, ainda que não existam o acima e o abaixo, o
centro e as beiras, uma viagem que deve guiar-se sempre por palavras
entreouvidas, por golpes de intuição, e destruindo
sem piedade as falsas verdades da prosa, de um saber “sensato”
que nos é imposto como um lastro que nos impede o vôo,
esse que era o nosso único destino e que Petronio reencontra
para nós na poesia. Porque ela está além dos
pequenos paradoxos dessa sensata razão imposta, e por isso
nos permite ver o mundo a partir de um grau zero, ou de um grau
novo, ou de um grau velhíssimo, imemorial como a água,
como o pássaro, como o amor ou como os deuses.
Porventura poderia surpreender alguém
que um pensador como Petronio, que expôs suas idéias
filosóficas num livro tão erudito quanto Transversal
do tempo (Recife, 2002), um homem com sólida formação
acadêmica em Filosofia e Letras, com anos de ensino e vários
cursos, que um intelectual desse naipe encontre na poesia a forma
mais precisa de conhecimento, e que essa forma de conhecimento seja
tão diferente dos sabidos procedimentos acadêmicos?
Talvez o diálogo que este livro estabelece com a poesia de
Dora Ferreira da Silva – a quem o poeta dedica um dos mais
belos poemas da série – explique que possam conviver
nele o filósofo que reflete sobre a epistemologia e o poeta
que se entrega a nós com sua verdade mais profunda e paradoxal,
nessa lógica “não-euclidiana” e de ângulos
inesperados que é a da poesia, onde tudo deve ser reinventado,
absoluta e eterna como as carpas negras do tempo.
|