EX-BC APRIMORA SEU ESTILO FRANCO-ATIRADOR
Robinson Borges
O economista Gustavo Franco, 50 anos, sempre esteve envolvido em
ardentes polêmicas quando foi um dos protagonistas da equipe
econômica do governo Fernando Henrique Cardoso e presidente
do Banco Central. Durante anos, foi o alvo preferencial da ala desenvolvimentista
de seu próprio partido, o PSDB, e, sobretudo, dos oposicionistas
do Partido dos Trabalhadores (PT). De ambos os lados, seus antagonistas
estavam ávidos para contestar sua adesão ao modelo
econômico ortodoxo e sua inflexibilidade com relação
à política cambial.
Passados sete anos desde sua saída do
governo, Franco acredita que não há mais espaço
para a temperatura dos debates daquela época, que freqüentemente
se transformavam "em acusações pessoais"
contra os "neoliberais" e "burgueses". Para
ele, os tempos são outros e o pensamento único venceu.
"Não é a economia que vai ganhar a eleição,
pois, nesse terreno, os candidatos mais relevantes são indistinguíveis",
diz o economista, que acaba de lançar seu novo livro, "Crônicas
da Convergência - Ensaios sobre Temas já não
tão Polêmicos", editado pela Topbooks
em parceria com a Bolsa de Mercadorias & Futuros.
Gustavo Franco: "Observa-se
rendição às políticas alinhadas
com os consensos internacionais
que foram introduzidos pelo Real"
Foto: Nelson Perez
/ Valor
O caminho que conduziu os principais políticos
do país a um ponto de vista econômico com mais semelhança
do que dissenso é justamente o epicentro do livro, constituído
de 189 artigos publicados na imprensa entre 1999 e 2005. Vários
foram atualizados e reescritos para o formato de livro, para se
ter um resultado final coeso. De fato, a obra ganhou uma curiosa
estrutura, que parece feita de "pequenas fotografias da vida
econômica", que constroem uma composição
perfeitamente sintetizada na palavra convergência, não
por acaso, no título da obra. No entanto, o livro pode soar,
muitas vezes, como uma autodefesa pública.
Analisados em perspectiva histórica, os
textos revelam dois pontos fundamentais no período abordado:
1) o fortalecimento da "esquerda" do PSDB, representada
pelo então ministro da Saúde de Fernando Henrique
Cardoso, José Serra; e 2) a primeira metade do governo do
primeiro presidente de esquerda depois de João Goulart (1918-1976).
Do ponto de partida da ascensão da esquerda,
o ex-presidente do BC conclui no seu melhor estilo: "Seria
legítimo e lógico que se esperasse mudança,
ou ao menos um recuo das reformas e políticas macroeconômicas
convencionais da primeira administração do presidente
Fernando Henrique, especialmente à luz do que se dizia ser
a mensagem das urnas na campanha de 2002. Qual nada! Muito ao contrário,
observa-se uma pragmática rendição, às
vezes conformada, às vezes mal-humorada, às políticas
econômicas alinhadas com os consensos internacionais que foram
introduzidos no Brasil junto com o Plano Real".
No período de 1999-2006, o modelo do esquerdismo
nacionalista "jurássico", diz Franco, "se
não desapareceu como alternativa viável no domínio
das políticas macroeconômicas, ficou reduzido a um
punhado de radicais que deixaram o Partido dos Trabalhadores a bordo
de uma melancólica Kombi cor de sangue".
Toda a argumentação contra os ortodoxos
teria se transformado "em pó", como efeito colateral
da inconsistência crítica, da incompetência executiva
e do colapso moral do crítico. Para ele, esse aspecto se
acentuou a partir do escândalo do mensalão, que promoveu
o que Franco chama de "queda do muro". O muro, entretanto,
não teria caído apenas para os petistas. O economista
diz que essa parede também existia no PSDB, e com duplo sentido.
"Não apenas como expressão da crença na
existência de uma suposta 'alternativa', mas também
como eloqüente símbolo da indecisão entre os
ideais estatistas e os ventos pró-mercado. A hesitação
era predomínio da preguiça, ou da falta de segurança".
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista
com o ex-presidente do BC, que se mostra, mais do que nunca, um
franco-atirador.
Valor: Durante o governo
FHC, houve uma cizânia entre os desenvolvimentistas e os monetaristas.
O PT, na época da oposição, era absolutamente
crítico em relação às políticas
monetaristas de FHC. Quase quatro anos depois de assumir o governo,
como vê a posição do governo em relação
a esse debate?
Gustavo Franco: Era e continua
sendo um falso debate. É chique fazer parecer que uma disputa
de poder é uma divergência ideológica. Não
era e não é. Basta olhar para as políticas
praticadas pelo governo Lula. Não existe Banco Central de
esquerda, ou alternativo, ou desenvolvimentista. Existe Banco Central,
e moeda, ou não existe, como antes de 1994.
Valor: Nesse debate sempre
são quentes as discussões sobre o tamanho do Estado
e a informalidade. Como vê essa situação?
Franco: É um grande debate sobre os
exageros da regulação no mundo tributário e
das leis trabalhistas. A informalidade é a medida da nossa
hipocrisia, é a demonstração de que o intuito
de proteger o desprotegido acaba não apenas falhando como
superprotegendo o já protegido.
Valor: Como vê a disputa
política diante das eleições de outubro?
Franco: A melhor notícia é que, qualquer
que seja o desfecho, nada vai mudar na economia. Nunca houve tanta
serenidade nos mercados faltando 45 dias para as eleições.
Isso é a convergência: não é a economia
que vai ganhar a eleição, pois, nesse terreno, os
candidatos mais relevantes são indistinguíveis.
Valor: Há oito anos,
o Brasil intercala um ano de economia em alta com um ou dois de
atividade retraída. Hoje, muitos dizem que o país
tem condições de crescer por causa do saldo comercial,
da inflação e dos juros em queda, além do aumento
do crédito para pessoas físicas e jurídicas.
Franco: É claro que podemos crescer aceleradamente
e de forma consistente, mas era preciso mais uma rodada de reformas.
São elas que vão destravar obstáculos como
a taxa de juros e os impostos. São muitos os temas; no meu
livro há muito sobre os diversos campos onde há coisas
por fazer.
Valor: O senhor tem sido
um grande defensor do choque de gestão para baixar os juros,
reduzir o risco-país e o Brasil se transformar em "investment
grade". Como efetivamente o próximo governo poderá
melhorar as finanças públicas, sem ser uma mudança
cosmética?
Franco: Há muito o que fazer no sentido
da redução de despesa. Muita coisa. É um dos
mitos de Brasília que a despesa é rígida, e
que não há o que fazer. Nada disso. Recentemente ouvi
do doutor Jorge Gerdau, falando de empresas e também do governo,
que não há custo que não possa ser reduzido
em 30%. É uma espécie de lei de Sauer para o século
XXI. A decisão de cortar requer coragem, e eu acho que está
madura. Em outra época era um assunto polêmico: não
é mais. Os empresários fazem isso nas empresas deles,
por que o governo, que é "a nossa empresa", não
pode fazer igual? Quem, exceto os interesses diretamente atingidos,
pode ser contra a responsabilidade fiscal e a melhoria do crédito
público?
Valor: Mesmo assim, bons
ventos têm soprado na direção da economia brasileira:
o risco-país está caindo e há uma melhor distribuição
de renda entre as classes mais baixas. O governo de Luiz Inácio
Lula da Silva tem acertado?
Franco: Os bons ventos do exterior compensam uma
certa hesitação no tocante a reformas. O governo Lula
manteve políticas de bom senso, e de consenso, em áreas
essenciais, notadamente na política monetária. Mas
não foi além disso, infelizmente.
Valor: O senhor acredita
que as medidas do BC para conter a valorização do
real, que tem comprometido a rentabilidade do exportador desde 2005,
são eficientes?
Franco: Não vi nenhuma medida significativa
para evitar a valorização do câmbio. A medida
provisória que altera a mecânica de cobertura cambial,
e que trata de capital contaminado, dificilmente terá qualquer
efeito sobre a taxa de câmbio. Na verdade, ao permitir investimentos
externos, com incentivo tributários, em títulos da
dívida pública, o governo faz exatamente o contrário.
A única coisa que pode evitar que a valorização
cambial continue é o crescimento das importações.
O câmbio não vai parar de cair enquanto o superávit
comercial for deste tamanho. Não é possível
ficar com o almoço e com o dinheiro.
Valor: Qual sua opinião
sobre a reivindicação de que é preciso uma
política industrial para fazer o Brasil crescer de forma
sustentada?
Franco: Acho que qualquer política pública
é legítima, e deve disputar recursos transparentemente
com outras prioridades nacionais num contexto de recursos escassos.
Essa, em particular, me parece uma questão que vejo quase
que restrita aos bancos oficiais, notadamente o BNDES e a Finep
no universo do fomento à tecnologia.
Valor: Quais são
suas referências quando escreve seus livros? Tem uma preocupação
estilística?
Franco: São raros os economistas bons de
texto. São muitos os jornalistas e os advogados. Os economistas
se acostumaram a escrever para publicações acadêmicas,
em linguagem hermética. É uma pena. Não tenho
muito para onde olhar.
jornal VALOR ECONÔMICO
17/08/2006
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