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EDITOR APOSTA EM DEMOCRACIA MAIS FORTE APÓS CRISE SEM PRECEDENTES

Zé Mario, da Topbooks, que editou sucesso de Roberto Campos, afirma que só o tempo dirá se Bolsonaro vai tornar País melhor fazendo o que o eleitor exigiu nas urnas

 


Zé Mario acha que, se Roberto Marinho estivesse vivo, teria evitado
atritos entre profissionais da Globo e candidatos no último pleito.
Fotos do acervo pessoal

“Se examinarmos a História  do Brasil no século 20, encontraremos inúmeros momentos de crise ética, política e econômica, e analistas ora  pessimistas, ora esperançosos quanto ao futuro. Nos últimos anos o País deparou com uma crise ética e moral sem precedentes, cujas consequências ainda não podemos avaliar em toda a sua dimensão porque continuamos a ser surpreendidos, quase diariamente, por revelações escabrosas. Mas penso que a democracia brasileira sairá fortalecida desse processo, e que os intelectuais e artistas podem desempenhar papel relevante como formuladores de ideias e alternativas para a crise que atravessamos”.

 

É isso que pensa José Mario Pereira, entrevistado do Blog do Nêumanne nesta semana. Dono da Topbooks, cujo terceiro lançamento foi seu maior sucesso de público e crítica – A Lanterna na Popa, livro de memórias de Roberto Campos que volta à moda com a escolha da equipe econômica do presidente eleito, Jair Bolsonaro, a cargo de Paulo Guedes – ousa agora fazer uma aposta arriscada. O último título lançado por sua editora é A Alma do Tempo, da lavra de um dos políticos mais importantes da História de nossa República, o mineiro Afonso Arinos de Mello Franco, com 1.780 páginas. E o faz neste momento complicado do mercado editorial, agravado pelo pedido de recuperação judicial de duas grandes redes livreiras, a Cultura e a Saraiva, com dívidas milionárias, e em meio à crise ética, econômica, financeira e política em que o País está imerso.

 

Mas nada disso o abala. “Temos excelentes livrarias, algumas maiores, outras menores, com ótima clientela e bem administradas. Talvez seja o caso de incentivar a criação de livrarias de bairro, pequenas, mas com bom estoque, com livreiros que  conheçam e gostem de livro. Frequento muito os sebos, alguns vendem livros novos também, e seus donos não reclamam de crise. As pessoas estão lendo mais, e vão aonde há novidades e preços razoáveis”, diz, justificando sua iniciativa.

 


Com Darcy Ribeiro, de quem foi amigo e com quem trabalhou, no
aniversário de 60 anos do antropólogo e político mineiro

Natural de Quixadá, Ceará, José Mario Pereira fundou a Topbooks em abril de 1990. Publicou, entre vários nomes importantes, Franklin de Oliveira, Otto Maria Carpeaux, José Paulo Paes, Luiz Costa Lima, Evaldo Cabral de Mello, Mary Del Priore,  Maria José de Queiroz, Roberto Campos, Afonso Arinos de Melo Franco, Olavo de Carvalho, Bruno Tolentino, Wilson Martins, Miguel Reale, Roberto Marinho, Nélida Piñon, Lêdo Ivo, Ivan Junqueira, Delfim Netto e José Neumanne Pinto. Também devolveu às estantes do País a obra de Manuel Bomfim e títulos há muito esgotados de Joaquim Nabuco, José Veríssimo, Oliveira Lima e Gilberto Freyre.

 

No plano internacional, lançou livros fundamentais, como a Areopagítica de John Milton, os Panfletos Satíricos de Swift, a Lírica de Dante,  Jerusalém Libertada, de Torquato Tasso, as Memórias de George Kennan, os Ensaios de David Hume e a obra completa de Rimbaud, traduzida por Ivo Barroso. O grande sucesso da Topbooks, que a tornou nacionalmente conhecida, é sem dúvida A Lanterna na Popa, livro de memórias de Roberto Campos, lançado em setembro de 1994. O volume de 1.417 páginas rapidamente virou best-seller e alcançou a marca de 100 mil exemplares vendidos.

 

Em 2002, Zé Mario – como é conhecido – foi convidado pelo Liberty Fund, de Indianápolis, nos Estados Unidos, para editar as traduções de dez livros do catálogo dessa prestigiosa fundação americana. Os primeiros títulos da coleção Liberty Classics começaram a chegar ao mercado brasileiro em novembro de 2003; um segundo programa, de mais dez títulos, foi aprovado em 2005, e já são 19 os livros editados. Como autor, Zé Mario escreveu  José Olympio – O Editor e sua Casa, duplamente premiado: ganhou o Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, e o Prêmio Senador José Ermírio de Moraes, dado pela Votorantim, em parceria com a Academia Brasileira de Letras. Dono de imensa biblioteca, o editor da Topbooks é colaborador frequente de jornais e revistas literárias.

 


Nas festas da Academia Brasileira de Letras, Zé Mario se encontra com
personalidades como Fernando Henrique Cardoso e Maitê Proença

Nêumanne entrevista José Mario Pereira

 

Nêumanne – Qual seria, a seu ver, a principal causa da atual penúria por que passam as editoras de livros no Brasil: a crise econômica e financeira, que depaupera o País, ou a mudança no  hábito de leitura do livro em brochura pelo e-book, que ajudou a solidificar a de Jeff Bezos, o dono da Amazon?

 

José Mario — A situação aflitiva em que se encontram hoje as editoras brasileiras, especialmente as grandes, deve ser creditada às redes Cultura e Saraiva, que entraram na Justiça com pedido de recuperação judicial após consolidarem dívidas enormes. Segundo o Sindicato Nacional dos Editores (Snel), as duas, juntas, devem R$ 325 milhões às editoras. Mas li há pouco que a dívida total da Saraiva, que anunciou o fechamento de 20 lojas,  é superior aos R$ 600 milhões. Como pretendem quitar uma dívida tão alta reduzindo os pontos de venda? A inadimplência da Livraria Cultura com as editoras, pelo que apurei, supera os R$ 200 milhões. Essas duas redes exigiam entre 50% e 60% de desconto das editoras, prazos de pagamento de 90 dias e fretes pagos. Isso me faz desconfiar que estamos sendo vítimas de administrações levianas, para não dizer irresponsáveis.

 

Eu vejo muita gente falando mal da Amazon, mas preciso destacar que ela compra livros e não me consta que atrase pagamentos. Em relação ao e-book: ele surgiu junto com a ideia alarmista de que o livro em papel tinha os dias contados. Isso não aconteceu, nem o consumo de e-book atingiu um volume capaz de pôr em xeque a existência do livro tradicional.

 


Zé Mario com a mulher, a jornalista Christine Ajuz, e o humorista
Chico Anysio, também cearense, em seu ambiente favorito: a livraria

N –  Além de editor de livros impressos e e-books, o senhor é também um leitor voraz. Qual o produto que mais o atrai como consumidor: o de tinta sobre papel em brochura ou o dos dígitos eletrônicos?

 

JM – Eu cresci lendo livros em papel, e continuo fiel a isso. Assim que surgiu o kindle, ganhei um de presente e tentei usá-lo. Mas logo notei que apreendo melhor o conteúdo tendo em mãos o livro de papel, e então o larguei. Reconheço, contudo, que ele é excelente em viagens, e também ideal, por questões de espaço, para armazenar enciclopédias e obras de referência.

 

N – Como rato de livraria confesso, que frequentou as lojas mais históricas e tradicionais do Rio desde que chegou à cidade, como a célebre José Olympio, e agora cliente das filiais das grandes redes, o que tem a observar sobre o negócio livreiro, que, neste momento, sente o impacto terrível da quebradeira de grandes empresas como Fnac, Cultura, etc.?

 

JM — O ocaso das empresas que menciona sinaliza a necessidade, por parte do mercado editorial, de se pensarem formas alternativas de distribuição. Não podemos ficar mais a reboque de livrarias que exigem muito e quando entram em agonia levam junto o mercado editorial. Quem sabe um regime de cooperativa, em que os editores se juntassem para administrar diretamente a venda de seus livros? Creio também que o investimento em mídia digital, com a criação de sites de conteúdo capaz de atrair leitores e compradores, pode ajudar muito na estabilização da saúde financeira das editoras.

 


No lançamento do maior sucesso da Topbooks: A Lanterna na Popa,
de Roberto Campos

N – Recentemente tomei um susto quando li nos jornais que as livrarias estão falindo, mas a venda de livros aumentou este ano. Qual a explicação para esse  fenômeno e em que ele afeta o negócio editorial?

 

JM — O pedido de recuperação judicial da Cultura e da Saraiva e a revelação dos altos valores de suas dívidas criaram o sentimento de que a crise do setor é total e irreversível. Mas não sou tão pessimista assim. Temos excelentes livrarias, algumas maiores, outras menores, com ótima clientela e bem administradas. Talvez seja o caso de incentivar a criação de livrarias de bairro, pequenas, mas com bom estoque, com livreiros que  conheçam e gostem de livro. Frequento muito os sebos, alguns vendem livros novos também, e seus donos não reclamam de crise. As pessoas estão lendo mais, e vão aonde há novidades e preços razoáveis.

 

N – Como espectador participante da cena cultural brasileira, tendo amigos na Academia Brasileira de Letras, o que tem a dizer aos  leitores do Blog do Nêumanne sobre o impacto negativo que a crise ética, política, econômica pela qual passamos está tendo sobre a  arte, o pensamento e a cultura nacional?

 

JM — Se examinarmos a História do Brasil no século 20, encontraremos inúmeros momentos de crise ética, política e econômica, e analistas ora  pessimistas, ora esperançosos quanto ao futuro. Nos últimos anos o País deparou com uma crise ética e moral sem precedentes, cujas consequências ainda não podemos avaliar em toda a sua dimensão porque continuamos a ser surpreendidos, quase diariamente, por revelações escabrosas. Mas penso que a democracia brasileira sairá fortalecida desse processo, e que os intelectuais e artistas podem desempenhar papel relevante como formuladores de ideias e alternativas para a crise que atravessamos.

 


O editor da Topbooks com Roberto Marinho e seu homem de confiança,
o advogado cearense Jorge Serpa, nos 80 anos do dono das
Organizações Globo

N – O seu convívio intenso com intelectuais e artistas foi, de alguma forma, abalado pelo clima de hostilidade que cercou a disputa eleitoral de outubro?

 

JM — Nunca deixei que opiniões políticas interferissem no meu convívio com as pessoas. Sempre tive amigos das mais diversas colorações ideológicas. Convivi com Darcy Ribeiro e Roberto Campos, com José Guilherme Merquior e Leandro Konder, e aprendi muito com todos eles. Tenho em alta conta uma recomendação de Isaiah Berlin que vale também nas relações pessoais. Ele dizia que é recomendável ler os pensadores com os quais intuímos não concordar. Segundo o autor de Pensadores Russos, é importante examinar como raciocina o nosso adversário ideológico, pois temos mais a aprender com quem pensa diferente do que com os nossos iguais.

 

N – Sendo amigo de Paulo Marinho e Olavo de Carvalho, pessoas próximas do presidente eleito, sente-se à vontade para dar uma opinião sobre Jair Bolsonaro, ex-capitão e deputado federal que derrotou no voto o maior mito político da História do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, valendo-se das redes sociais, sem campanha milionária, tempo no horário obrigatório de propaganda no rádio e na televisão, a ida a debates nos meios de comunicação – afora ter sido forçado a sair das ruas por causa do atentado que sofreu –, sem esquecer o custo baixíssimo com que superou máquinas partidárias, o poder dos governos e das velhas raposas manhosas da política tradicional?

 

JM — Nunca estive com o presidente eleito, mas alguns amigos que o conhecem de perto me garantem que ele sabe ouvir, é divertido e está imbuído de um desejo verdadeiro de mudar o País para melhor, de combater a corrupção. Isso só o tempo dirá. Por enquanto, é louvável o fato de ter dado plenos poderes ao Paulo Guedes para montar sua equipe, assim como o convite a Sergio Moro para a pasta da Justiça. O que lamento é ele ainda não ter feito nenhum gesto relevante no sentido de dinamizar a vida cultural do País, seja acenando para um diálogo produtivo com a comunidade intelectual e universitária, seja examinando a maneira mais eficaz de melhorar as condições e o acervo de nossas bibliotecas e nossos museus. Se me fosse possível sugerir algo ao novo governo, eu proporia a refundação do Instituto Nacional do Livro e também a do Conselho Federal de Cultura, do qual fizeram parte o ficcionista Guimarães Rosa e o sociólogo Gilberto Freyre.

 


Com a atriz Fernanda Montenegro, com quem o editor costuma
conversar sobre arte e cultura

N – O que o senhor, editor e amigo de Roberto Campos, achou da escolha, por Paulo Guedes e Jair Bolsonaro, do neto do grande liberal para a presidência do Banco Central?

 

 JM — Gostei da escolha de Roberto Campos Neto. Sei que se trata de profissional competente e respeitado, com longa experiência no mercado, além de ser filho do meu amigo Bob Campos. Esteve por anos no banco Santander. Nessa escolha há que ressaltar o simbolismo de termos no comando do Banco Central o neto do seu idealizador. Desejo-lhe sucesso.

 

N –  Um de seus grandes mestres foi Darcy Ribeiro, cuja memória frequentemente reverencia. Ancorado nos  anos de convívio com ele,  se arriscaria a dar palpite sobre como o antropólogo e político, de humor ácido e sutil, estaria reagindo à  pendenga política de hoje?

 

 JM — Darcy era dono de uma inteligência irreverente e questionadora. Se ainda se encontrasse entre nós, creio que estaria certamente indignado com algumas propostas sobre a educação, os índios, a Amazônia e o meio ambiente que vêm sendo postas em circulação pelo presidente eleito e por alguns de seus colaboradores. Darcy dedicou parte de sua vida ao estudo dos índios e um de seus heróis era Rondon. No plano educacional, seu grande incentivador foi Anísio Teixeira. Mas há um mantra de Bolsonaro com o qual Darcy fecharia: o combate à corrupção, que desvia dinheiro da saúde e empobrece a população do País.

 


Com o poeta, tradutor e crítico Ivan Junqueira (1934-2014),
seu grande amigo

N – No lado oposto do espectro ideológico, qual seria, a seu ver, a postura, em face dessa polarização, de  duas personalidades com as quais conviveu de perto: o grande ensaísta e diplomata  José Guilherme Merquior, que a esquerda detestava, e o jornalista Roberto Marinho, cuja empresa de comunicação esteve envolvida  no calor dos debates?

 

 JM — Merquior foi diplomata de carreira e um dos maiores ensaístas literários que o Brasil produziu. Com o passar dos anos, deixou de lado o esquerdismo da juventude e adotou uma visão liberal moderna, muito influenciada pela leitura de autores como Raymond Aron, Norberto Bobbio, Karl Popper e Ernst Gellner. Certamente estaria atento às propostas do novo governo, escrevendo nos jornais sobre temas da pauta contemporânea, e trocando ideias com pessoas como o futuro ministro Paulo Guedes, que conhece bem a doutrina liberal, tanto no plano econômico como no social.

 

Quanto ao dr. Roberto Marinho, se ele ainda estivesse no comando das Organizações Globo, teria acompanhado a última eleição de perto. Ele era muito curioso e tinha obsessão por informação. Quando se interessava por alguém que não conhecia, tratava de encontrar quem fizesse a ponte e, então, convidava a pessoa para uma conversa cara a cara. Gostava de tirar suas próprias conclusões: depois de ouvir atentamente seus assessores, cuidava de confrontar as opiniões que tinha recebido com as próprias. Pediu-me que o apresentasse a Luiz Carlos Prestes porque o jornal O Globo havia apoiado a Coluna Prestes. Fiz isso e a conversa entre eles foi civilizada. Quando Prestes morreu, fui eu que lhe dei a notícia; ato contínuo apanhou um bloco em cima da mesa e começou a redigir um pequeno editorial sobre o líder comunista.

 


Com Roberto Carlos nos 80 anos de Boni, amigo dos dois

Dr. Roberto convidou Lula para ir ao jornal durante a campanha contra Collor. Acompanhei parte da conversa, da qual participaram também o advogado Jorge Serpa e Aloizio Mercadante, que chegou lá acompanhando Lula. Ao final do encontro, o dono das Organizações Globo fez questão de autografar um livro seu para o ex-líder sindical e na despedida eles se abraçaram. Dr. Roberto também escreveu sobre esse encontro.

 

Penso que ele teria convidado Bolsonaro para uma conversa tão logo percebesse que o capitão tinha chances reais de vitória. Sabia ouvir, ponderar e discordar com charme. O interlocutor se sentia prestigiado. Ele não falava alto, mas tinha autoridade. Até o fim da vida acompanhou com interesse tudo o que acontecia à sua volta. Se via na primeira página de O Globo uma foto de que não gostava, imediatamente chamava o editor e reclamava. Se estava em casa e assistia no Jornal Nacional a algo que considerava fora do compasso, ligava de imediato para a emissora e exigia ênfase ou moderação. Se estivesse vivo, teria tratado de evitar, sem prejuízo da informação, muitas das tensões que se estabeleceram entre jornalistas de suas empresas e candidatos, na última disputa eleitoral.

 

Publicado no Blog de José Nêumanne em O Estado de S. Paulo em 28/11/2018.

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