JOÃO PAULO CUNHA LANÇA
POEMAS DO CÁRCERE
Tereza Cruvinel
Nesta entrevista ele fala da prisão
e do convívio entre poesia e política
Na solidão dos dias e noites que passou
no presídio da Papuda, o poeta que estava adormecido dentro
do político voltou a pulsar e exigir espaço na vida
do ex-deputado e ex-presidente da Câmara João Paulo
Cunha. Muitos anos antes, tragado pela brutalidade da política,
ele havia abandonado este ofício, que exige sobretudo reflexão
e sensibilidade, embora tenha preservado sempre um espaço
para a relação com a literatura. É este poeta
que brotou de uma experiência dolorosa que emerge no livro
de poemas “Quatro e outras lembranças”, que João
Paulo lança pela Topbooks na próxima terça-feira,
dia 7. Nem por isso, os poemas sangram ou destilam mágoa
ou rancor. O que deles escorre são metáforas e imagens
delicadas sobre as circunstâncias de um homem às voltas
com a prisão, a perda da liberdade e o estigma da condenação,
que ele chama de “marca indelével”.
Na entrevista ao blog, que se segue, João
Paulo, que poderá participar dos lançamentos em Brasília
e São Paulo, e tem autorização para falar sobre
o livro e assuntos a ele conexos, fala de poesia, prisão
e um pouquinho de política.
P – Nós sempre pensamos que há
uma grande distância entre a poesia e a política. Agora
que o poeta brotou em você, como lida com estes antagonismos?
R – A política, quando feita com verdade e paixão,
também tem um pouco de poesia. Exige sensibilidade e proporciona
prazer. Acho que sempre carreguei as duas mas em determinada fase
de minha vida entreguei-me completamente à política.
Agora, a experiência da prisão me proporcionou a retomada
de algo que eu deixei de fazer há muitos anos, que é
escrever, conversando comigo mesmo e com o mundo, que nem sempre
responde…
P – A solidão abriu esta porta?
R – A solidão teve um peso enorme mas há também
o fato de que, como você não tem mais a chave que lhe
permite entrar e sair da própria casa, você fica lá
o tempo todo, sua única relação com o mundo
é através de seus próprios pensamentos. Na
angústia de não ter como expressá-los, a única
possibilidade é escrever. E no meu caso, comecei escrevendo
resenhas dos livros que lia e passei depois a escrever poesias,
parte delas reunidas neste livro.
P – A prisão e a condenação
o forçaram a distanciar-se da política. O que você
diria hoje sobre a brutalidade da política, tudo o que ela
tem de áspero e conflituoso.
R – A política é bruta e árida mas sempre
será necessária. Fora dela não há salvação,
como alguém já disse. É bruta porque quem entra
nela precisa subir. E para subir é preciso derrotar alguém,
disputar com o outro, e isso é pouco humano. A política
tem valores humanos quando é feita com o objetivo de proporcionar
conquistas coletivas mas sua natureza é competitiva, e a
competição exige sempre uma dose de brutalidade. Quando
se está fora dela você percebe mais nitidamente o que
ela tem de áspero mas isso não invalida sua necessidade
com motor das mudanças.
P – Quando tudo isso terminar você
pretende retomar sua atividade política?
R – Este processo não terminará nunca. Só
com a morte. É uma marca que todos nós vamos carregar
a vida inteira, uma marca indelével. Tenho clareza disso,
de que nunca será possível dissociar esta passagem
do resto de nossas vidas, de que haverá sempre um estigma
e que será impossível apaga-lo.
P – Esta é sua maior dor?
R – Sim. Esta é a grande dor. Alguém sempre
nos chamará de mensaleiro, disso ou daquilo, por mais que
você grite a sua verdade. Não terei como dissociar
minha vida disso. Não haverá um pós.
P – Mas juridicamente isso vai acabar
um dia. Retomando os direitos políticos você voltará
a militar.
R – O processo jurídico pode até ser encerrado
mas isso não resolverá jamais o problema de cada um.
A injustiça cometida não será apagada porque
a pena foi cumprida ou foi extinta. O que fará cada um eu
não sei mas pessoalmente não pretendo buscar um mandato
ou coisa assim. Mas a política está em mim, naturalmente,
continuarei sendo um ser político.
P– Como você vê o quadro
político do momento?
R – Não posso falar muito disso mas o quadro é
preocupante. Há uma conjunção de problemas,
a combinação perigosa entre problemas econômicos
e a dificuldade do governo em estabilizar sua relação
com a base política para assegurar a estabilidade, existe
inquietação social, que tende a aumentar com as dificuldades
econômicas. Mas o que mais me preocupa é uma espécie
de crise cultural, de valores, uma onda conservadora, regressiva.
Este movimento conservador começa a atropelar marcos civilizatórios
que o Brasil conquistou a partir da Constituição de
1988. Nas disputas seguintes, nos governos Collor e FHC, isso foi
preservado. E a História reconhecerá o papel que o
PT teve na preservação e ampliação destas
conquistas. Agora, nesta luta insana contra o PT, que é apresentado
como o responsável por todos os males, este valores estão
sendo destruídos. As pessoas perderam o pudor de defender
a ditadura, a xenofobia, a homofobia, preconceitos diversos…
Tudo isso está se banalizando. Estamos involuindo enquanto
civilização. Não é singelo vermos estudantes
universitários, como numa certa universidade de São
Paulo, fantasiados de Ku-Klux-Klan. Estes jovens que pedem a volta
da ditadura, será que sabem o que foi aquele período?
Será que têm ideia do que representa pedir o fim da
democracia que nos custou tanto construir? Esta conjunção
entre crise econômica, crise política e crise de valores
é muito preocupante.
P– Agora a situação é
mais grave que em 2005?
R – Mais grave mas com algo em comum: o ódio contra
o PT. Em 2005, o PT foi criminalizado por fazer caixa dois. Agora
está sendo criminalizado por doações legais,
por fazer caixa um. Ou seja, para o PT não tem saída.
Precisa ser destruído, morto, exterminado. Para os setores
que combatem o PT, exterminar lideranças não resolveu.
Surgiram novas lideranças, com todos os erros que o partido
possa ter cometido, ela tem conseguido se renovar. Então,
para estes setores surge a necessidade de eliminar o partido, não
apenas suas lideranças. Este ódio agora é maior
que em 2005. Mas não quero falar muito de política.
P – Voltemos à literatura. Quanto
livros leu na prisão?
R – Li quase 60 e resenhei 21. As resenhas estão disponíveis
no site “Janelas do Cárcere”.
P – Quais você destaca, entre
os de prosa e ficção?
R – Gostei muito do cubano Leonardo Padura. “O homem
que amava os cachorros” é magistral. Gostei muitíssimo
também de “Equador”, do português Miguel
Sousa Tavares. A cena de amor numa praia africana que ele descreve
é uma das mais primorosas que já vi. Destaco também
“A vida entre costuras”, da espanhola Maria Dueñas,
que toda mulher devia ler. São tantos...
P – E na poesia?
R – Descobri e amei o irlandês Dylan Thomas. Revisitei
poetas como o Manoel de Barros, com sua beleza singela, João
Cabral, Florbela Espanca, Cecília Meirelles, Drummond, li
principalmente poesia portuguesa e brasileira. Apesar de tudo, não
foi um ano improdutivo. Li muito, pensei muito, aprendi muito.
02/04/2015
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