CAMINHOS TORTOS DO POETA SIMBOLISTA
Felipe Moraes
No novo livro da escritora Margarida Patriota, A lenda de João,
o poeta assinalado (Topbooks), não há ambientação
de lugar ou data. A história parece se passar na segunda
metade do século 19, numa narrativa que se concentra na vida
de um menino pobre chamado João. Ele é um servo da
fazenda de Guilherme Xavier, mas em nenhum momento é descrito
como um negro. O garoto nasceu em berço de escravos, sempre
mostrou interesse pela palavra e, desde cedo, foi acolhido por dona
Clara Angélica, a mulher do patrão, que o iniciou
nos estudos. Anos depois, se tornaria um dos maiores poetas do Brasil
e introdutor do simbolismo.
O personagem não é outro senão
o catarinense João da Cruz e Sousa (1861-1898), um escritor
cuja biografia se resume a dramáticos fatos – o preconceito,
a tuberculose, os filhos mortos prematuramente, a loucura e a morte
precoce. Margarida Patriota, num ato genuinamente simbólico
– e apropriado a um personagem igualmente enigmático
–, resolveu contar a vida do poeta por meio da ficção.
Portanto, a obra, como já adianta o título,
é mais "lenda" do que biografia. O que não
quer dizer que a autora tenha fabricado mentiras sobre um criador
"assinalado" pela cor da pele. "Decidi que não
escreveria um romance histórico", diz ela, explicando
a opção de manter as páginas num ar misterioso
e atraente.
Na UnB, Margarida Patriota lecionou o simbolismo.
Mas, na posição de escritora, sentia-se em dívida
com o poeta, cujos versos aparecem na edição sempre
grafados em negrito, abrigados livremente entre os parágrafos.
"Ele é um dos autores brasileiros de fortuna crítica
das mais elevadas. Ao mesmo tempo, há quase unanimidade em
dizer que a vida dele é conhecida por alto", continua.
O livro traz, na orelha, texto de outro catarinense, Sylvio Back,
diretor da cinebiografia Cruz e Sousa – O poeta do desterro
(1999).
Em A lenda de João, a autora tenta
"trazer para perto um autor distante". Em vez de trajá-lo
em vestes históricas, como um personagem do século
19, ela o caracteriza como protagonista de uma ficção
povoada de várias vozes, construindo sua história
em bases mais existenciais do que informativas. "É alguém
de um momento em que a fala poética e literária é
muito diferente da atual, que foi muito combatida na Semana de 1922",
detalha.
Correio Braziliense
22/11/2012
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narra a vida breve de Cruz e Sousa
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