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LEITOR COM LUPA

Wilson Martins é um intelectual que pensa a cultura a partir da crítica literária

Miguel Sanches Neto


Crítica publicada em jornal que se lê em livro com grande prazer é a produzida pelo derradeiro remanescente de uma idade em que erudição e fluência literária andavam juntas, para o bem da cultura: o paranaense Wilson Martins (1921). Ele acaba de lançar mais uma série com seus artigos de jornal - O Ano Literário - 2000-2001. Depois de concluir os 15 volumes de Pontos de Vista (T.A. Queiroz, 1991-2004), que acompanhava a produção brasileira de 1954 a 1999, Wilson Martins passa agora a publicar esta nova coleção, com seus textos sobre obras surgidas a partir de 2000.

Quando lhe perguntam quais são suas melhores críticas, Wilson Martins responde que são todas. Não é nenhuma crise de vaidade. Para o crítico, os textos publicados funcionam como capítulos de uma reflexão orgânica sobre a movimentação de idéias e estilos, dando conta não apenas do sentido isolado de obras ou autores - esta é a principal característica (e limitação) da crítica universitária - mas criando relações de contigüidade entre obras e produtores de um determinado momento: "Os leitores comuns encaram cada livro como entidade autônoma, enquanto o crítico só pode vê-los como segmentos de um sistema intelectual". Ele não é apenas um crítico de livros, tal como o resenhista, mas um intelectual que pensa a cultura a partir dos livros.

Assumindo uma postura militante, como compromisso intelectual sistemático, Wilson Martins crê que "a crítica ou será judicativa ou não será", cabendo a esse profissional confrontar as intenções criativas do autor e o resultado final, por mais polêmica que possa ser essa sua intervenção. Assim, seus artigos tratam, muitas vezes, de vários autores em poucos parágrafos, ou usam um livro apenas como ponto de partida para uma reflexão mais ampla, apontando tendências editoriais e demarcando o retorno de nomes e de temas literários. Ele não fica restrito ao julgamento, embora nunca deixe de julgar, não só em execuções capitais, mas também ao se valer de lacunas e ironias.

No ano-período coberto por este volume, 2000 e 2001, sobressaem as antologias, prática editorial muito freqüente por conta do fim do milênio, possibilitando uma visada panorâmica sobre a produção brasileira. Pequena foi a crítica sobre o conto, preponderando as análises de poesia, romance e, principalmente, estudos históricos e críticos, dado o grande número de reedições e análises de obras de autores consagrados, reflexo, ao que tudo indica, do mesmo sentimento de fim de período.

Wilson Martins ignora as palavras de ordem do momento e se dedica a uma opinião independente sobre as obras, desmistificando a idéia de que a crítica é uma arte técnica, científica, impessoal. Tratando de um livro de Laís Corrêa de Araújo sobre Murilo Mendes, obra em que ele e outros são negados pela ensaísta, Wilson exercita sua inteligência: "Há uma razão para meus equívocos: é que aquelas mal-afortunadas palavras (um texto seu sobre Murilo Mendes) exprimiam 'nada mais do que uma opinião, realmente', o que me deixa perplexo e satisfeito ao mesmo tempo. De fato, os julgamentos críticos são feitos de opiniões: as minhas, as de Laís Corrêa de Araújo e as dos que vieram cometendo erros e acertos ao longo dos séculos". E está aí uma das marcas da grande crítica: ela comporta erros e acertos pessoais por trabalhar com um material não-canônico, sobre o qual inexiste consenso histórico.

Essa postura judicativa, a obsessão pela leitura do maior número de livros (a grande maioria é julgada pelo silêncio), o humor ao tratar de questões culturais, a língua literária, a leveza do estilo, as fabulosas sínteses históricas e analíticas, tudo isso manifestado em uma personalidade de uma coragem rara, fazem dos artigos de Wilson Martins uma espécie de suma crítica. Como conjunto, seus textos guardam as características da crítica histórica e da ensaística, porque, mesmo em um espaço limitado, Wilson Martins consegue, pela recorrência dos temas, tratar de forma ampla nossa produção literária.

E eis outra particularidade desse intelectual. Enquanto a maioria de nossos homens de letras volta-se para os modismos estrangeiros, ele se mantém atento à produção nacional. Perguntei-lhe uma vez qual livro ele gostaria de ter escrito. Respondeu-me que seria um ensaio chamado Os Brasileiros. A crítica literária foi a forma que ele encontrou de nos legar este inusitado ensaio.

CARTA CAPITAL
08/03/2006

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