MENSALEIRO RELATA EM LIVRO MEMÓRIAS
DO CÁRCERE EM FORMA DE POESIA
"Quatro & outras lembranças"
foi escrito no período em que o ex-presidente da Câmara
João Paulo Cunha cumpriu pena na Papuda
Mariana Timóteo da Costa
João Paulo Cunha foi condenado no mensalão - 16-01-2013
Renato Silvestre
SÃO PAULO - "Ele não
é nenhum Rimbaud, mas faz poesia direitinho". É
assim que o editor José Mario Pereira, da carioca Topbooks,
se refere ao ex-presidente da Câmara dos Deputados João
Paulo Cunha, que esta semana lança “Quatro & outras
lembranças”. Trata-se de um livro de poemas, uma espécie
de “Memórias do Cárcere” de João
Paulo, do tempo que passou na penitenciária da Papuda, em Brasília,
após ser condenado no mensalão.
Atualmente cumprindo pena em prisão domiciliar,
também na capital federal, o petista terá, segundo
seu editor e sua assessoria de imprensa, autorização
da Justiça para participar do lançamento do livro
no próximo dia 7 de abril, em Brasília, e em data
não definida, em São Paulo. Cunha ainda poderá,
de acordo com sua assessoria, dar entrevistas sobre o trabalho de
escritor — mas somente a partir desta semana.
O conteúdo do livro é guardado
a sete chaves. Apesar da insistência, a Topbooks não
liberou nem trechos dos poemas, muito menos a capa. José
Mario diz que o título foi dado pelo próprio autor
e “é uma divisão interna de sua poesia, e não
tem nada a ver com política”. O editor conta que foi
procurado há cinco meses por um amigo em comum com João
Paulo, pedindo que ele lesse “sem compromisso” os poemas
do ex-deputado. O amigo relatou a tristeza e a solidão que
o ex-parlamentar petista sentia na cadeia e contou que ele usava
a escrita, “até altas horas da madrugada”, como
válvula de escape. Assim como o ex-presidente Lula, João
Paulo foi metalúrgico antes de entrar na política.
— Como não tenho preconceito, nem
essa coisa de direita ou esquerda, atendi ao pedido do meu amigo.
Achei que o autor tem qualidade, tem cultura, leitura, referência.
E pensei: “Por que não editá-lo?”. Qualquer
pessoa que está na lona pode ser ajudada — declara
Pereira, que editou, em 2011, o livro de outro condenado do mensalão:
o delator do esquema, Roberto Jefferson.
CONDENADO A 6 ANOS E 4 MESES
Condenado a seis anos e quatro meses de prisão
pelos crimes de corrupção passiva e peculato, João
Paulo, garante o editor, nada pagou pela edição do
livro e vai ganhar o previsto: 10% dos prováveis R$ 37 do
preço de capa. O ex-deputado foi envolvido no mensalão
com a descoberta de que sua mulher sacou R$ 50 mil da conta da empresa
do publicitário Marcos Valério, apontado como operador
do esquema. João Paulo presidia a Câmara e, nessa época,
a agência de Valério ganhou uma licitação
para prestar serviço à Casa.
Depois que recebeu os poemas, José Mario
enviou o texto de João Paulo a dois poetas, sem dizer quem
era o autor, para “afastar qualquer preconceito”. Os
dois, segundo o editor, ficaram surpresos “pela pulsação
do livro”, o que reforçou a decisão de publicar
a obra.
José Mario adianta que são poesias
longas, uma meditação sobre como a “prisão
mudou o íntimo desse homem”. Cunha foi um dos políticos
que mais se abalaram com a condenação no mensalão.
Sempre negou participação no esquema e se ressentia
da perda de prestígio no PT. Na época em que o escândalo
veio à tona, ele era considerado uma das principais figuras
do partido em São Paulo e alimentava a expectativa de disputar
o governo do estado.
— O autor expeliu poesia em vez de uma
coisa ardida. A obra não é nada panfletária,
não aponta nomes e tampouco faz acusações.
João Paulo apenas reflete, faz um mea-culpa de seus erros
e uma reflexão sobre injustiças que ele acredita ter
sofrido — afirma o editor do livro.
Para José Mario, a poesia do mensaleiro
remete à de Augusto Frederico Schmidt, poeta da segunda geração
do modernismo, que fundou, em 1930, a Livraria Schmidt Editora,
primeira a publicar (“olha só a coincidência”)
a obra de Graciliano Ramos, o autor de “Memórias do
Cárcere”. O próprio João Paulo Cunha
já se inspirou no título da obra de Graciliano Ramos
ao escrever, da Papuda, críticas literárias para seu
blog — o título da sessão é “Janelas
do Cárcere”. O conteúdo do blog de João
Paulo comumente é reproduzido por sites alinhados ao PT.
Numa de suas críticas literárias
— do livro “Michael Kohlhaas”, de Heinrich Von
Kleist, o ex-presidente da Câmara escreve o seguinte sobre
os juízes: “Os juízes, ao longo da história,
se distinguem em fazer as sobrancelhas para que, ao franzir o cenho,
possam aparentar algo profundo. No entanto, são preparados
para a mentira desde priscas eras e usam de sinais para aparentar
sabedoria e profundidade (…). Não é uma injustiça
praticada contra um pequeno e pobre que alegrará o espírito
de um juiz. Este se compraz com o atendimento dos poderosos, e se
exultará com uma boa taça de vinho a brindar a vitória
do direito do forte sobre a justiça do fraco. A não
ser que o ódio empurre os cidadãos para buscar a justiça!”.
O GLOBO
Rio de Janeiro
29/03/2015
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