A POESIA PENSANTE DE FELIPE FORTUNA
Gonçalo Junior
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Fortuna:
o poeta se descobre no grande
shopping em que o mundo se transformou |
Há um aparente fatalismo perturbador no
longo poema que dá nome ao novo livro do ensaísta,
tradutor e diplomata Felipe Fortuna, A Mesma Coisa,
o quinto que lança só de poemas, em 27 anos de trajetória.
Planejada para ser uma obra acabada e temática – e
não uma reunião aleatória ou uma seleção
de poemas –, a obra pode ser compreendida como um trabalho
conceitual, íntegro no sentido de unidade, em que os três
poemas distribuídos ao longo de 80 páginas estão
interligados. A temática parece clara no sentido de se voltar
para o marasmo dos dias que correm: a de que nada é novo
e a regra tem sido a acomodação.
Para Fortuna, a noção da originalidade
em tudo está desaparecendo. Ao evidenciar sua preocupação
com a cópia e seu desencanto com a criação,
que o levam a certo sentimento de revolta, o poeta exercita a própria
composição poética e torna seu livro inventivo.
Segundo ele, "originalidade não é original na
medida em que se imita essa busca". Assim, acaba por fazer
uma meditação a respeito das ações humanas,
com ênfase em questões como saber por que elas se repetem,
se copiam, se multiplicam, se reproduzem, se plagiam etc.
Numa passagem nas páginas iniciais, ele
sentencia: "Somos cópias. Fazemos clichês./ Vendemos
a mesma ideia/ Simultaneamente, com permanente disfarce". Nos
versos seguintes, cutuca quem o lê: "Ninguém arrisca.
Você fica, no final, morre o dublê". Já
no aspecto da técnica, interessam ao poeta menos a métrica
(a medida do verso) e a rima – essa tradição
secular literária da língua portuguesa que, muitas
vezes, engessa a explanação da ideia – do que
a profusão de pensamentos para fazer uma reflexão
sobre o comodismo atual.
Tal estado de coisas mostrado pelo poema faz
parecer que há uma estiagem de novidades que nem o mundo
digital consegue suprir, uma vez que o deslumbramento com a internet
não tem levado a uma produção original de cultura.
O poeta se aventura pelo mundo real ou analógico –
ele não faz referências ou comparações
com o universo digital em seus versos, mas estes permitem reflexões
nesse sentido – e se descobre num grande shopping sem novidades
em que se transformou o mundo.
A Mesma Coisa foi definido pelo
crítico Luiz Costa Lima, no texto de apresentação,
como "obra insubmissa". Sem dúvida, além
de coerente e coesa. "O Suicídio" trata de um tema
delicado e complexo de modo direto e delicado: "Muitos somos
os suicidas a desejar a brevidade: mas falo por mim, não
por quem quis imitar mortes alheias". E faz referências
a poetas que tiraram a própria vida – Cesare Pavese,
Sylvia Plath, Alfonsina Storni e Vladimir Maiakóvski: "A
poesia salvaria essas pessoas? Ou será que a poesia os levou
à morte?". Numa passagem, observa: "Longe do mar,
os pés no chão/ e as duas mãos dentro da guerra,/
Georg Trakl detonou a bala/ violenta em pânico e pólvora,/
mas o branco dos olhos só lhe surgiu/ contra o branco pó/
que o enterrou durante o inverno".
O último poema, "Contra a Poesia",
é um manifesto às avessas de defesa da criação
do gênero, em que o poeta recorre à lembrança
daqueles que, em algum momento, perderam a esperança na literatura
- aí incluído o poeta engajado. "As palavras
servem à poesia, mas têm razão?" Provocador,
ele ressalta que "o poeta estava crente/ de que a poesia continha
a verdade: se fosse/ possível rezá-la ao meio-dia
à meia-noite/ enquanto cozinha fode assobia deita angustia/
mais ou menos direto/ pois ninguém está vendo".
Revista VALOR
13/09/2013
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