COMISSÃO DA VERDADE DEVE ANALISAR
RELATO DE EX-DELEGADO SOBRE ASSASSINATOS, TORTURA E QUEIMA DE CADÁVERES
DE PRESOS POLÍTICOS
"Memórias de uma Guerra Suja":
ex-torturador conta crimes cometidos pela ditadura
Ricardo Setti
A ministra-chefe da Secretaria Especial de Direitos
Humanos, Maria do Rosário, afirmou nesta quinta-feira que
a Comissão da Verdade a ser brevemente constituída
deverá apurar o relato de que corpos de militantes políticos
mortos pela ditadura militar em São Paulo e no Rio de Janeiro
foram incinerados num grande forno de uma fazenda situada no interior
do Estado do Rio.
A informação consta no livro Memórias
de uma Guerra Suja (Editora TOPBOOKS), dos jornalistas Marcelo
Netto e Rogério Medeiros, que reúne um estarrecedor
conjunto de depoimentos do ex-delegado da Polícia Civil do
Espírito Santo Cláudio Guerra. A presidente Dilma,
ex-presa política e ex-torturada, já tem em mãos
um exemplar do livro.
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Os primeiros detalhes do livro foram trazidos
à luz pelo repórter Tales Faria, do portal
iG.
Um de seus textos é o que segue:
Ele lançou bombas por todo o país
e participou, em 1981 no Rio de Janeiro, do atentado contra o show
do 1º de Maio no Pavilhão do Riocentro. Esteve envolvido
no assassinato de aproximadamente uma centena de pessoas durante
a ditadura militar. Trata-se de um delegado capixaba que herdou
os subordinados do delegado paulista Sérgio Paranhos Fleury
nas forças de resistência violenta à redemocratização
do Brasil. Apesar disso, o nome de Cláudio Guerra nunca esteve
em listas de entidades de defesa dos direitos humanos. Mas com o
lançamento do livro Memórias de uma Guerra Suja, que
acaba de ser editado, esse ex-delegado do DOPS (Departamento de
Ordem Política e Social) entrará para a história
como um dos principais terroristas de direita que já existiu
no País.
O delegado aposentado Cláudio Guerra: "um dos maiores terroristas de direita da história do país"
(Foto: TOPBOOKS)Mais do que esse novo personagem,
o depoimento recolhido pelos jornalistas Marcelo Netto e Rogério
Medeiros, ao longo dos últimos dois anos, traz revelações
bombásticas sobre alguns dos acontecimentos mais marcantes
das décadas de 70 e 80. Revelações sobre o
próprio caso do Riocentro; o assassinato do jornalista Alexandre
Von Baumgarten, em 1982; a morte do delegado Fleury; a aproximação
entre o crime organizado e setores militares na luta para manter
a repressão; e dos nomes de alguns dos financiadores privados
das ações do terrorismo de Estado que se estabeleceu
naquele período. A reportagem do iG teve acesso ao livro,
editado pela Topbooks. O relato de Cláudio Guerra é
impressionante. Tão detalhado e objetivo que tem tudo para
se tornar um dos roteiros de trabalho da Comissão da verdade,
criada para apurar violações aos direitos humanos
entre 1946 e 1988, período que inclui a ditadura militar
(1964-1988).
David Capistrano, Massena, Kucinski e outros
cujos corpos foram incinerados
Cláudio Guerra conta, por exemplo, como
incinerou os corpos de dez presos políticos numa usina de
açúcar do norte Estado do Rio de Janeiro. Corpos que
nunca mais serão encontrados – conforme ele testemunha
– de militantes de esquerda que foram torturados barbaramente.
“Em determinado momento da guerra contra
os adversários do regime passamos a discutir o que fazer
com os corpos dos eliminados na luta clandestina. Estávamos
no final de 1973. Precisávamos ter um plano. Embora a imprensa
estivesse sob censura, havia resistência interna e no exterior
contra os atos clandestinos, a tortura e as mortes.”
Os dez presos cujos corpos foram queimados:
– João Batista e Joaquim Pires Cerveira,
presos na Argentina pela equipe do delegado Fleury;
– Ana Rosa Kucinski e Wilson Silva, “a
mulher apresentava marcas de mordidas pelo corpo, talvez por ter
sido violentada sexualmente, e o jovem não tinha as unhas
da mão direita”;
– David Capistrano (“lhe haviam arrancado
a mão direita”) , João Massena Mello, José
Roman e Luiz Ignácio Maranhão Filho, dirigentes históricos
do PCB;
– Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira
e Eduardo Collier Filho, militantes da Ação Popular
Marxista Leninista (APML).
Política & Cia
Revista VEJA - 03/05/2012
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