CIDADE VAIDOSA
Livro analisa os primeiros guias para visitantes,
do século XIX
Publicação revela
como o Rio virou o principal destino turístico do país
Lula Branco Martins
Visitantes em frente ao Teatro (Foto: acervo pessoal)Como
era possível fazer turismo no Rio de Janeiro do século
XIX se ainda não tínhamos nem estátua do Cristo
Redentor no Corcovado nem bondinho ligando o chão ao Morro
da Urca e ao Pão de Açúcar, e se, além
disso, nossas praias não eram consideradas programa imperdível,
e sim um local ermo, para que doentes se recuperassem de seus males?
Algumas respostas estão em Promenades do Rio,
da historiadora e designer Isabella Perrotta, livro da Topbooks
que será lançado na sexta (11), no Instituto EixoRio,
em Botafogo. Ela teve uma ideia inusitada: investigar como eram
os mais antigos guias sobre a cidade. Debruçou-se sobre o
que foi publicado entre 1873 e 1939 e descobriu, por exemplo, que
naquela época os reservatórios de água da cidade
tinham enorme potencial turístico. Eles eram muito visitados
porque juntavam a vista lá do alto à beleza da superfície
de suas piscinas. Do mesmo modo, organizavam-se comboios para ver
agências bancárias, muitas delas com destacada arquitetura,
e os próprios hotéis (a maioria no Centro) também
eram alvo da curiosidade de quem vinha de fora — e até
barbearias faziam parte do roteiro.
Esses guias centenários, geralmente com
poucas páginas, constituíram-se, na visão de
Isabella, num pioneiro esforço no processo de transformação
da cidade em uma metrópole cosmopolita. “Vendiam a
ideia de que seríamos civilizados, ou seja, mais como uma
cidade europeia, menos como um paraíso tropical”, afirma
a pesquisadora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM),
uma carioca do Humaitá que acaba de defender tese de doutorado
sobre o tema na Fundação Getulio Vargas (FGV). Ela
conta que conseguiu acesso aos livretos em lugares como o Real Gabinete
Português de Leitura e o Arquivo Nacional. Logo constatou
que as publicações não eram destinadas exatamente
a turistas (o termo nem era utilizado), e sim a viajantes. Artistas,
cientistas e botânicos vindos em missões estrangeiras
queriam tirar fotos e precisavam de dicas. Assim, igrejas e palácios
costumavam ser listados, com o devido endereço. Fortes militares
também tinham destaque, bem como as praças públicas.
O título do livro usa a palavra francesa promenades,
ou, na tradução, “passeios”. Como se refere
a um passado distante, nele os bairros são chamados de “freguesias
eclesiásticas” e os arredores da área
urbana apresentados por Isabella como “arrabaldes”.
A pesquisa se encerra na década de 30,
pois foi a partir daquela época que, segundo a historiadora,
se consolidou a força do Rio como um destino turístico,
o principal do país, especialmente após a construção
do Cristo e da abertura do Copacabana Palace, que aos poucos passou
a ser o porto seguro de astros internacionais. Aliás, entre
os hotéis, foi muito badalado um outro Palace, o da Avenida
Rio Branco, no Centro (já demolido), propagandeado no cartão-postal
como “o maior e o melhor do Brasil”. No entanto, nosso
serviço de hotelaria deixava a desejar: havia estabelecimentos
que não tinham chuveiros e, por isso mesmo, os endereços
das chamadas casas de banho constavam nos primeiros guias. As décadas
se passaram, a cidade cresceu (e com ela o número de mazelas,
como a poluição da orla e o aumento dos índices
de criminalidade), e hoje o Rio se esforça para convencer
turistas em potencial a curtir suas férias aqui. Nos últimos
anos, um dos passeios com mais oferta a estrangeiros é a
ida de jipe às favelas, especialmente as pacificadas. As
próprias publicações direcionadas a visitantes
de fora também mudaram. “Hoje os guias são segmentados”,
diz Isabella. Interessante notar que há livros só
para gourmands, ou para gays e para apreciadores de esportes radicais.
O Rio diversifica as atrações, para continuar por
cima.
História
Revista VEJA Rio - 09/09/2015
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