A CORAGEM DE ACEITAR AS PRÓPRIAS
LIMITAÇÕES
Em Como Deixei de Ser Deus, Pedro Maciel
trata de amor, morte e tempo
Francisco Quinteiro Pires
Pedro Maciel deixou de ser Deus. É difícil.
Tem de ser corajoso para chegar a tanto, segundo o escritor mineiro.
"Porque todo mundo se acha um Deus", diz. O ser humano
não nasce pronto. Ele aprende, se desejar e com bastante
esforço, a criar os seus traços humanos. "As
pessoas estão esquecendo que são mortais", ele
dá um exemplo. "Gostaria que o meu livro ajudasse o
leitor a encontrar a sua essência". Maciel encontrou
a própria. O resultado dessa experiência árdua
e gratificante está em Como Deixei de Ser Deus, o
seu novo romance.
Integrante de um conjunto de quatro obras,
Como Deixei de Ser Deus (Topbooks, 150 págs., R$ 29)
pode ser definido como o Bildungsroman – romance de
formação – de um personagem que aceita, com
o tempo, as inerentes limitações. Essa aceitação
não é óbvia nem fácil, uma vez que,
por efeito das desilusões, mesquinharias e dores da vida,
os indivíduos tendem a se desumanizar enquanto envelhecem,
segundo Maciel, que não revela a idade. Existe um intervalo
entre o sonho e a realização. "Sou parecidíssimo
com o que sonhei, por isso deixei de ser Deus".
A busca desse ficcionista, desde a sua estreia
com A Hora dos Náufragos (Bertrand Brasil), em 2006,
é pela originalidade. O primeiro e o segundo romances de
Pedro Maciel foram elogiados por autores de peso, e de diferentes
estilos, como Ivan Lessa, André Sant'Anna, Antonio Cicero,
Moacyr Scliar e Luis Fernando Verissimo, cronista do Caderno 2.
O poeta Ferreira Gullar escreveu comentários para o inédito
Retornar com os Pássaros, livro cujo lançamento
está previsto para o ano que vem. Com Previsões
de um Cego, Maciel completa uma série de quatro ficções
sobre uma delicada trinca de temas: o tempo, a morte e o amor.
"Toda literatura é uma reescritura
dos amores, dos tempos e das mortes". Não seria diferente
em Como Deixei de Ser Deus, do qual ecoam referências
diversas, da filosofia à literatura, e em que ressurgem Machado
de Assis, João Guimarães Rosa, Platão, Heráclito,
Samuel Beckett, Leonardo da Vinci, Fiódor Dostoiévski
e outros autores. "Este livro também tem a ver com a
cabala, a mandala, o Alcorão, a Bíblia e a minha história
pessoal".
Por causa do ritmo – característica
nuclear da música, da poesia, da prosa e da vida, segundo
o autor –, o seu livro "é tão sonoro que
pode ser lido de olhos fechados". "Às vezes tenho
a sensação de que ele deveria ser ouvido e não
lido". A narrativa do romance é fracionada, composta
de fragmentos de aforismos. "Não quero recriar o esquema
narrativo criado por outros", diz. "Você pode abrir
Como Deixei de Ser Deus em qualquer página, ler um
fragmento e fechá-lo".
Os fragmentos são formados por frases
em negrito e itálico. As passagens negritadas, ele explica,
representam a voz de um narrador. As grifadas podem tanto ser a
citação de um pensamento alheio como a fala de um
personagem em delírio. Os pequenos textos têm uma numeração,
desenvolvida aos saltos: o enredo começa no número
3, em seguida pula para o 7 e vai desse modo até o fim, no
número 2.046, que representaria a morte do protagonista,
cujo nome não é revelado.
Pedro Maciel afirma ser o seu um romance arraigado
na atualidade. Ele compara a estrutura do livro ao "esqueleto
de um tubarão". "Eu tirei todo o resto por causa
do nosso tempo, tempo do Twitter e seus 140 caracteres, tempo do
e-mail, mais breve e rápido que uma carta". Para o escritor
mineiro, hoje um romance de 500 páginas é uma redundância.
Ele aposta na inteligência e sensibilidade
do leitor. Conta que, depois de enviar os originais de Como Deixei
de Ser Deus a um escritor, eles chegaram às mãos
do dono de um grande editora brasileira. "Ele disse que o livro
era maravilhoso, mas não saberia em que prateleira colocá-lo".
A dificuldade de classificação foi o maior elogio
que Maciel diz ter recebido. "Às vezes os editores são
conservadores, ao contrário dos leitores".
Com imagens de obras do artista plástico
Cildo Meireles – Desvio para o Vermelho ilustra a capa –,
Como Deixei de Ser Deus deseja comover o leitor enquanto
lhe oferece a possibilidade de entender a consciência dessa
comoção. "O que resta nos além da emoção?
A emoção é tudo".
O ESTADO DE S.PAULO
25/10/2009
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da descrença
Romance
é obra cult que se presta a múltiplas interpretações
Cosmologia
irônica
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"Como
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