QUE PAÍS É ESTE?
'Enciclopédia' de 1.100 páginas, com 88
ensaios, propõe nova história cultural do país a partir da idéia
de que 'nenhum Brasil existe'
Cassiano Elek Machado
Equilibrado sobre uma frase que Drummond publicou
70 anos atrás, um tijolo de nada esbeltas 1.100 páginas chega nesta
semana às livrarias para modificar o panorama das obras que tentam
responder que diabos é este país chamado Brasil.
Com o irônico subtítulo de "Pequena Enciclopédia",
o calhamaço "Nenhum Brasil Existe" atraca nas estantes trazendo
um volume de opiniões sobre o país nunca visto em território nacional.
Projeto iniciado há cinco anos, no inverno de Massachusetts, nos
Estados Unidos, é um livro feito a 176 mãos, coordenadas por João
Cezar de Castro Rocha, 38, professor de literatura da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro.
A convite dele, 87 intelectuais de primeiro time
(mais o organizador da empreitada) ensaiaram sobre a história cultural
do país, da Carta de Caminha aos raps dos Racionais MC's .
Na carta-convite que enviou às dezenas de sociólogos,
historiadores, críticos literários e adjacentes, Castro Rocha fazia
apenas dois pedidos expressos.
O primeiro era que não se abusasse do academiquês,
ainda que a Academia fosse o habitat natural de 95% deles. O segundo,
e mais importante, era a bússola conceitual do projeto.
"Eu os desincumbia de revelar o que era o Brasil
uma vez mais", conta o professor, atualmente dando aulas na Universidade
de Wisconsin-Madison (EUA).
Tema recorrente de seus trabalhos até aqui, o
organizador pretendia trazer para esse grande debate das questões
culturais brasileiras a crítica à "verdadeira obsessão na história
cultural brasileira com a definição do espírito nacional". E é aí
que entra Drummond, que em seu poema "Hino Nacional" crava "O Brasil
não nos quer! Está farto de nós! Nosso Brasil é no outro mundo.
Este não é o Brasil. Nenhum Brasil existe. E acaso existirão os
brasileiros?".
A idéia de Castro Rocha não era passar ao largo
das inevitáveis idéias dos chamados "Intérpretes do Brasil". Sérgio
Buarque de Hollanda, Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior e companhia
existem, e estão discutidos às fartas no livro, mas não a partir
de leituras ortodoxas de seus retratos do país.
Essa "História Revista da Cultura e Literatura
Brasileira", como o volume foi batizado no original, publicada na
Universidade de Massachusetts Dartmouth em 2001, chamou para tanto
alguns de nossos maiores intelectuais de hoje - e suas obsessões.
Walnice Nogueira Galvão ficou com Euclydes da
Cunha, João Adolfo Hansen abraçou uma vez mais padre Antônio Vieira,
o português Abel Barros Baptista ficou com seu Machado de Assis.
E tem ainda Roberto DaMatta, Carlos Guilherme
Mota, Luiz Costa Lima, o alemão Hans Ulrich Gumbrecht e o precocemente
morto Roberto Ventura, com texto inédito sobre Manoel Bomfim.
A versão nacional da enciclopédia é mais encorpada
que a norte-americana, lançada como número especial da revista "Portuguese
Literary and Cultural Studies".
Editada pela Topbooks, experiente em cartapácios
de grande importância, como os "Ensaios Reunidos", de Otto Maria
Carpeaux, e "Lanterna na Popa", de Roberto Campos, com apoio da
UniverCidade Editora e da UERJ, o livro traz 23 artigos a mais do
que os publicados no exterior.
O volume ganhou ainda fotos (como reproduções
de manuscritos inéditos de Mário de Andrade sobre Graça Aranha)
e, mais importante, bem cuidados índices onomástico e analítico.
Um exame dessas duas listas dá um bom panorama
das questões mais fluorescentes no pensamento sobre o Brasil. Entre
os temas mais citados, estão "modernidade", "moderno", "formação",
"cordialidade" ou o ensaio de Roberto Schwarz "Idéias fora do Lugar",
que fez 30 anos neste mês.
Dos nomes mais discutidos, se destacam os três
Andrades (Mário, Oswald e Carlos Drummond), João Cabral, Gilberto
Freyre, Guimarães Rosa e Machado de Assis. Antonio Candido lidera
com folga o "who is who" entre os críticos literários.
Outra mudança do volume americano para a edição
de agora foi o modo de organização dos ensaios. "Nenhum Brasil Existe"
está estruturado em torno de sete núcleos temáticos. Caminha abre
o bate-bola.
Em seguida está o bloco "Intermediários Culturais"
onde se discute como todos nossos principais modelos culturais vieram
do exterior.
"Gilberto Freyre: Uma Teoria de Exportação" é
o nome do terceiro conjunto de textos, seguido dos capítulos "Cultura",
"Literatura" (o maior dos blocos, com 32 artigos), "História e Crítica
Literária". "Audiovisual", um dos xodós do autor, completa o livro.
"O que criou o Brasil como o Brasil foi a Rádio Nacional de 1936,
o "Jornal Nacional" de 1969, a música popular, o cinema nos anos
60 e a televisão de hoje", diz .
Livro/lançamento
FOLHA ILUSTRADA
São Paulo
18/10/2003
Leia mais:
O
Brasil que não existe
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