MOEDA E PROSPERIDADE
Luis Nassif
Analisem-se os números:
1) São Paulo tem 1,6 milhão de
desempregados (só para as contas, já que devem ser
mais).
2) A um custo médio de US$ 3 a hora,
são US$ 41,4 milhões / dia de valor/hora perdidos
para sempre.
3) Em termos de dias úteis de trabalho,
são US$ 10,598 bilhões de perdas definitivas por ano,
causadas pelo desemprego induzido pela política de estabilização
e pelos juros altos, pela ausência de crédito à
produção e pela abertura indiscriminada às
importações.
As contas não são de um provinciano, que em geral
não tem resposta quando o cabeça de planilha levanta
o argumento definitivo: "Em todo lugar é assim".
No livro "Moeda e Prosperidade" (Topbooks), André
Araújo levanta o mais formidável conjunto de argumentos
contra as verdades estabelecidas pelo discurso monofásico
da última década.
Araújo não e um personagem exposto.
Não freqüenta guetos acadêmicos, não se
mete em atos explícitos de política, não tem
sequer um currículo que chame a atenção. Mas
conhece profundamente personagens-chave da história americana,
do Departamento de Estado à grande imprensa. Mais que isso:
tem um conhecimento enciclopédico, uma capacidade de observação
da realidade, uma visão de mundo, de empresas, de direito,
de política que, antes, só tinha observado em alguns
personagens da cena carioca dos anos 50. Araújo é
especialista em demonstrar que "em quase nenhum lugar é
assim", para rebater os argumentos do mercado.
Seu livro é um banho de informação
abrangente sobre processos históricos e uma das críticas
mais poderosas já publicadas por aqui contra o pensamento
econômico ortodoxo. Esmiúça as principais correntes
econômicas, agrega a visão histórica que sempre
faltou a essas formulações. E tem um faro fantástico
para identificar as sucessivas operações que ajudaram
a arrebentar as contas públicas brasileiras e a criar "esqueletos"
do nada. Como quando, em novembro de 1998, a Secretaria do Tesouro
Nacional permitiu a troca de R$ 14 bilhões em títulos
podres - cerca de 48 - por Notas do Tesouro Nacional. Apenas um
dos maiores, os créditos da Sunamam, por exemplo, seriam
facilmente questionados, porque originados de duplicatas frias sacadas
por estaleiros contra a Sunamam. Mesmo assim, trocou-se um título
podre e vencido por uma promissória novinha em folha, pelo
seu valor de face.
Em seu livro, André Araújo repassa
um a um os desastres na condução da dívida
pública e cambial, inclusive as operações de
"swap" do Banco Central em 2002 - contra o consenso, ele
considera a diretoria da época a mais desastrada da história
do banco.
Dentro da enorme quantidade de informações
originais, de conhecimento profundo do funcionamento da economia
americana, do Fed, do BIS, Araújo ainda consegue identificar
as raízes do pensamento "mercadista" - uma corrente
de opinião que se transformaria na mais influente voz a induzir
os rumos da política econômica mundial no século.
O início foram os boletins do Citi, lançados
originalmente em 1904. Em agosto de 1948, outubro de 1949 e dezembro
de 1949, o boletim traz artigos antológicos de ataque ao
keynesianismo.
No começo dos anos 60, o "Boletim Econômico"
do Citi tinha como diretor Sam Nakagama, economista que foi aluno
de Milton Friedman em Chicago. Nakagama saiu do Citi em 1965, ligou-se
à Argus Research, consultoria econômica de prestígio,
que promoveu a conferência de lançamento do monetarismo
no hotel Arizona Biltmore, em novembro de 1969.
O boletim do Citi chegou a ter 300 mil exemplares
de circulação. É considerado por Araújo
o "Diário Oficial" do monetarismo. Seu grande segredo
era um departamento econômico com mais de 80 economistas,
dos quais 50 de primeira linha.
O Citi sempre teve essa vocação
de influenciar políticas econômicas nacionais. Nos
anos 80, o Comitê de Credores do Brasil era chefiado por William
Rhodes, do Citi. Vinte anos depois, Rhodes assumiu a presidência
do influente Conselho das Américas, fundado por David Rockefeller.
Mas foi na Argentina de Menem, relata André
Araújo, que a partir de 1990 o Citi operou magistralmente
como o grande maestro do Plano de Conversibilidade, o Plano Cavallo,
"uma espécie de missa de réquiem do monetarismo
devastador".
FOLHA DE S.PAULO
27/11/2005
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Um
libelo contra o império da moeda
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