COLETÂNEA DE ARTIGOS DO ECONOMISTA
GUSTAVO FRANCO, UM DOS PAIS DO REAL, MOSTRA COMO O BRASIL COMEÇOU
A VENCER A INDIGÊNCIA DO PENSAMENTO ECONÔMICO
Marcio Aith
Para Franco, idéias jurássicas
foram reduzidas a um grupo
de radicais
Nelson Peres/Folha
Imagem"As
idéias, brilhantes e cambiantes, iam se sucedendo, mas com
muita dificuldade de migrar para o papel sob forma de futuros decretos,
MPs ou projetos de lei. O duro trabalho de fazer a lição
de casa para resolver os problemas que iam surgindo coube principalmente
a Gustavo Franco, que, claro, também participava com idéias".
Assim o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso relatou, em seu
livro de memórias recém-publicado, a participação
do economista Gustavo Franco nas primeiras discussões sobre
a elaboração do Plano Real, ainda em 1993. A menção
é mais do que justa. Poucos integrantes do grupo de técnicos
que derrotou a inflação no Brasil tiveram seus esforços
tão menosprezados quanto o economista carioca que presidiu
o Banco Central entre 1997 e 1999.
Ph.D. em Harvard, Franco, 50 anos, não só
participou diretamente da formulação, operacionalização
e administração do Real como esteve à frente
de algumas das reformas que fizeram a política econômica
brasileira convergir para a racionalidade a partir do início
dos anos 90. Quiseram o destino e a conveniência de alguns
que sua imagem ficasse mais atrelada às circunstâncias
da tumultuada desvalorização da moeda, em 1999, que
à sua contribuição efetiva para o avanço
institucional brasileiro. Registros de sua capacidade de reflexão
podem ser vistos no livro que reúne artigos da autoria de
Franco escritos entre 1999 e 2005 (Crônicas da Convergência,Topbooks,
598 páginas, 59 reais).
São 189 de mais de 300
textos publicados por VEJA, pelo Estado de S. Paulo e pelo
Jornal do Brasil. São pequenas fotografias do cotidiano
econômico e social brasileiro que, unidas, revelam como o
debate econômico discretamente se livrou da influência
cubano-soviética para convergir rumo às políticas
econômicas e agendas reformistas introduzidas no Brasil com
o Plano Real – principalmente o combate à inflação,
as privatizações e o ajuste fiscal. Como descreve
o autor, o "modelo econômico do esquerdismo nacionalista jurássico,
se não desapareceu como alternativa viável no domínio
das políticas macroeconômicas, ficou reduzido a um
punhado de radicais que deixaram o Partido dos Trabalhadores a bordo
de uma melancólica Kombi cor de sangue".
Franco
combate com rigor idéias anacrônicas usadas sem sucesso
por grupos industriais falidos e por "barbudinhos" atrasados para
desvirtuar o Plano Real. Uma delas em particular, a defesa de "um
pouquinho mais de inflação" como forma de catapultar
o crescimento, mereceu punição redobrada. "Tudo se
passa como se os parentes de um ex-alcoólatra estivessem
deliberando que uma tacinha de vinho, quem sabe duas, não
faria mal nenhum. Essa gente não entende a tragédia
do alcoolismo, ou do inflacionismo, e a importância da abstinência."
Segundo o economista, o Brasil conseguiu blindar-se contra idéias
econômicas desastrosas porque, no calor do debate democrático,
a sociedade brasileira pôde jogá-las no lixo da história.
"São raras as bobagens
econômicas que sobrevivem aos ventos proporcionados pelo debate",
escreveu ele. Essa talvez seja sua única opinião controversa
contida no livro. No Brasil, as regras do debate já são
distorcidas para permitir a longevidade das besteiras e sua prevalência
sobre a verdade. Por isso persistem críticas ao controle
inflacionário por meio da taxa de juros e à abertura
econômica, ao mesmo tempo que se acirra a defesa do capitalismo
de compadrio. Felizmente, como registra Franco, a economia real
é construída todos os dias não por idiotas,
mas por gente que pensa, faz contas e lê.
revista VEJA
30/08/2006
Leia também:
A
convergência de Gustavo Franco
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