SYLVIO BACK , DIRETOR DE ALELUIA GRETCHEN,
REVELA SUA VEIA LITERÁRIA
Tiago Faria
Na história do Festival de Brasília,
Sylvio Back ocupa o elenco principal: na mostra mais longeva do
Brasil, exibiu cerca 30 filmes, entre longas e curtas. “É
o meu festival do coração”, reafirma, ano a
ano. Mas, na 43ª edição, o catarinense de Blumenau
promete uma troca de papel: o cineasta cederá lugar ao contista,
que apresenta, às 17h, no Kubitschek Plaza, o livro Guerra
do Brasil — Contos da Guerra do Paraguai.
A faceta, ainda que pouco conhecida pelo público
de Aleluia Gretchen (1976) e Lost Zweig (2002), não
é nova. Já na adolescência, o coração
balançava entre os filmes e a literatura de autores como
Graciliano Ramos e Ernest Hemingway. “Deixei-me capturar pelo
cinema sem jamais deixar de escrever”, lembra. Apesar de duradouro,
o caso com as narrativas curtas só é oficializado
agora, com o lançamento da primeira coletânea de contos.
Antes disso, Back publicou narrativas curtas
em antologias e jornais. Aos 48 anos, estreou na poesia com O
caderno erótico de Sylvio Back. O cinema, no entanto,
não foi passado para trás. Foi durante as filmagens
do documentário Guerra do Brasil, exibido no festival
de 1987, que o contista finalmente pediu passagem, impôs a
sua vontade e se infiltrou de vez no cotidiano do cineasta. “A
escritura foi amadurecendo ao longo dos anos. Tudo sem premeditação”,
afirma o diretor, nascido em 1937.
Quando escrevia o roteiro do longa, ainda no
início dos anos 1980, o diretor se dedicou a uma pesquisa
intensa sobre a Guerra do Paraguai. Em busca de “algum filete
de verdade”, encontrou um emaranhado de versões sobre
o conflito, que formavam um caldo denso, contraditório, uma
“história embaçada”. “Incorporei
tudo e comecei a rabiscar os primeiros contos, puro memorial, totalmente
assimétrico e descompromissado.”
O episódio, no qual o Brasil esteve envolvido
durante seis anos (1864-1870), deixou milhares de mortos e feridos.
Muito se escreveu sobre o assunto. Back ainda se surpreende, porém,
com o fato de que levou mais de 80 anos para que fosse publicada
uma nova reunião de histórias curtas sobre o tema.
“Uma verdadeira mortalha de silêncio cobria a guerra
até então. É uma triste constatação
de como pisamos nosso passado”, observa o autor.
“Drible de vaca”
Os contos que resultaram dessa inquietação representam,
para Back, uma espécie de “drible de vaca” nos
registros oficiais sobre o período. “Reconheço,
nem sempre fui um aluno aplicado de história, mas um apaixonado
pelo que ela esconde de mistério e revelação
constantes”, conta. Para compor o livro, seguiu um ensinamento
do peruano Mario Vargas Llosa: para se aproximar da história
do país, evitou os historiadores e mergulhou no imaginário
de poetas e escritores paraguaios.
Mesmo após a conclusão do filme
de 1987, o cineasta continuou a armazenar informações
de toda sorte. “Foi um feliz tormento”, ele define.
“Os contos não têm nenhum parentesco com os meus
roteiros. Eu quis me territorializar na literatura”, explica.
“Os contos são decantados por invencionices soltas,
textos secos, retos e escorreitos, cheios de viço e livres
de qualquer vício autocensório. O tempo todo é
verdade-mentira”, define.
Back, que tem por hábito publicar os scripts
dos filmes que dirige, apressa-se a definir os limites entre as
artes. “O roteiro é uma antessala do filme. O conto
tem que existir em si. O roteiro é uma ferramenta de trabalho.
O DNA do cinema é a visibilidade. O da literatura é
a invisibilidade. É preciso usar a imaginação
para completar os contos”, compara o cineasta, poeta por vocação.
CORREIO BRAZILIENSE
27/11/2010
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