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POESIA COMO CULTURA

Miguel Sanches Neto

A poesia brasileira contemporânea se organiza em subculturas estéticas, cada uma com seu pequeno credo transformado em ortodoxia. É uma poesia que circula em frequências fechadas, destinadas à comunicação interna, entre pares. Deste verbo de guerrilha nasce a resistência e também a limitação de público de um gênero exigente.

Tendo exercido sempre em paralelo o magistério superior e a crítica literária, com uma formação aberta a todas as riquezas da língua, Antonio Carlos Secchin é um poeta que transita por várias tradições, o que dá à sua poesia uma função complementar de história sincrônica da lírica de língua portuguesa. Poeta extremamente econômico, com apenas cinco títulos autônomos ao longo de quase 50 anos de atividade editorial, Secchin privilegia o acontecimento poético em detrimento da rotina da escrita. Cada poema seu condensa um tempo calmo de maturação. Assim, seus versos reunidos – “Desdizer e antes”, coletânea lançada no Brasil pela Topbooks em 2017 – mais do que a sismografia de uma vida dedicada à poesia, é fruto de uma releitura minuciosa de nossa produção.

O seu pertencimento transversal em relação à história não impede que o situemos em seu ambiente cultural de origem. Estreando no início dos anos 1970, o jovem autor faz uma poesia de reverência a modelos vigentes, e a dois poetas-chave, Fernando Pessoa e João Cabral de Melo Neto – este último tornar-se-á referência para o modelo crítico desenvolvido por Secchin. Entre o mestre da diversidade e o mestre das ideias e formas fixas, o poeta brasileiro vai se aproximar mais daquele. Em seu primeiro livro (“Ária de estação”, 1973), há pequenas dispersões que determinarão a sua prática posterior e o próprio conceito da identidade literária como ação de múltiplas vozes que ecoam em quem escreve: “O poeta é uma ilha cercada de poesia alheia por todos os lados”, diz o autor no depoimento “Escutas e escritas”.

Esta vocação para a multiplicidade diminui em seu segundo livro – “Elementos”, 1983 –, e o verbo lírico ganha um hermetismo que valoriza a palavra em estado de solidão semântica em vez de fazer dela uma comunhão com quem lê. Com poemas curtos e concentrados, o livro se divide nos quatro elementos, perseguindo uma essencialidade que beira o silêncio. É a sua obra mais construída, com um senso de acabamento do conjunto, em que o real se quer terra arrasada e o poema um espaço de linguagem esvaziado por sucessivos deslocamentos metafóricos. Neste momento,vemos a força da poesia de João Cabral, de sua primeira fase, a onírica, contaminando a poética de Secchin.

É a partir do menor livro do autor – “Diga-se de passagem”, 1988 – que entra em cena um elemento que será determinante para a sua produção – o humor. A tradição modernista do poema piada, que havia retornado à cena brasileira com a geração dos anos 1970, conhecida como Poesia Marginal, conquista uma nova atualidade. “Remorso” exemplifica esta guinada, com destaque para a prosificação do poema:

A poesia está morta.
Discretamente,
A.de Oliveira volta ao lugar do crime.

É do mesmo ano (1988) a coletânea de José Paulo Paes (1926-1998), irônica já em seu título: “A poesia está morta mas juro que não fui eu”. O momento de informalidade exigia uma exumação do poeta parnasiano (no caso, Alberto de Oliveira – 1857-1937) e uma concepção da poesia como linguagem obtida pelos meios da prosa.

Esta estratégia crescerá na produção de Secchin, sem que ele renuncie a outros recursos mais melódicos. “Todos os ventos”, de 2002, é a opera magma do autor por sua diversidade de estilos. Neste livro, sua poética se estabiliza em uma estrutura em que a formação de professor e crítico produz variações, mas de forma descontraída, como na releitura homoerótica da escola romântica, em que o poeta visita o seu companheiro (“É ele”), ou ainda em “Colóquio”, que relata em tom de falsete uma reunião da fictícia “Academia do Poeta Infeliz”. O passado retorna como linguagem e diversão, modificado pelo olhar irônico e afetivo de Secchin.

Neste mesmo volume, os “Dez sonetos da circunstância” funcionam no sentido inverso. Há reverência formal a um gênero de escrita longamente maturado na língua, do qual resultam os mais belos poemas do livro, que comovem por sua percepção da força trágica da condição humana, submetida à precariedade imposta pelo tempo que ao nos tocar nos dá a vida e a retira logo em seguida, em alternâncias de plenitude e vazio, amor e esquecimento, infância e velhice. Suítes filosóficas da coletânea, estes sonetos forjam tensões emocionais organizadas em um formato de contenção. São sonetos vívidos, que se fixam em nossa sensibilidade.

Ainda cabem nesta obra os poemas confessionais, mais leves, em que o cotidiano do poeta entra como matéria prima indisfarçada em um culto à matéria biográfica.

É esta poética que se estende para a mais recente coleção de textos, que dá nome ao novo volume: “Desdizer”. O título com prefixo de negação remete a uma ideia da antilírica, de corrosão do verbo solene, ao mesmo tempo em que continua a tendência introspectiva dos “Dez sonetos da circunstância”.

“Desdizer” tem um plano estrutural bem definido. O leitor, que percorre o livro como uma casa, da “Antessala” ao “Poema-saída”, não é recebido com mesuras, mas com palavras sardônicas, próprias entre pessoas que se conhecem longamente e que são íntimas. O poeta-anfitrião exige do leitor-visita uma cumplicidade para os subentendidos que perpassam grande parte dos poemas. Sobressai, portanto, um aproveitamento da matéria falada, de sua banalidade cotidiana como contraponto para a profundidade de ser. É magistral o uso do lugar comum nos “Dez sonetos desconcertados”, em que reuniões de clichêsfazem um retrato dos tempos correntes. Em vários momentos, esta reutilização da matéria oral cria um sentido festivo para a poesia.No geral, são poemas com humor, de jogos linguísticos, para que o leitor valorize as possibilidades lúdicas da palavra.

A poesia de Secchin se faz desta forma um território aberto do ponto de vista estilístico, tal como fica defendido em “Poema promíscuo”: “passa um poema concreto ao lado de um soneto”. Nela cabe tudo. Cabem todos. É uma obra de tolerância estética, de inclusão de vozes passadas e de tradições tratadas nem sempre com o devido cuidado. O poeta está reforçando a ideia da poesia como cultura, como encontro de linguagens.

Nessa grande feira da palavra, a força filosófica se manifesta em meio aos móveis banais da existência, como no poema “A gaveta”, metáfora da própria existência, que promete uma grandeza e um mistério jamais encontrados, e que são o nosso nada que é tudo.

Com esta poética em que a clareza pensante prevalece, com vários registros de linguagem, Antonio Carlos Secchin se inscreve no terceirograu da poesia lírica proposta por Fernando Pessoa (“Os graus da poesia lírica”, 1930), o do poeta que, sob o mesmo nome, “começa a despersonalizar-se, a sentir, já não porque sente, mas porque pensa que sente, a sentir estados de alma que realmente não tem, simplesmente porque os compreende”. Poderíamos, portanto, apontar esta heteronímia temática e estilística como marca de uma poesia que quer dizer-se contraditoriamente.

Publicado em 9 de maio de 2018 no Jornal de Letras (Portugal).

 

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