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SECCHIN: NO DIFÍCIL CORAÇÃO DA POESIA

Ramon Ramos*

É preciso não gastar palavras.

Independente da visceralidade ou da secura do que se escreve, a concisão do discurso é o desejo da sintaxe. Escrever, mesmo quando vemos o processo como um fluxo intenso de sensações, sempre resulta em algo menor do que pensamos. E precisa ser assim. E quanto mais precisa for a frase ou o verso, mais impacto terá o projétil-palavra. A atividade do poeta, do escritor, é fazer caber a mesma luminosidade que o emociona numa estrutura vocabular que ilumine seu leitor. Antonio Carlos Secchin é poeta, ensaísta e professor que valoriza seu dizer não apenas como transmissão de uma ideia, mas como modo de valorar a palavra. Durante as aulas de poesia na UFRJ, qualquer de suas análises ensinava a escrita pela precisão do discurso que dizia — mesmo habitando, então, o espaço da oralidade, no qual é comum o excesso que inevitavelmente dilui a palavra.

Se lutar com as palavras é ofício inevitável da engenharia poética, o recente Desdizer (Topbooks) nos devolve os versos de Secchin após anos desde a última publicação de poemas. Aberto “Na antessala”, lemos Desdizer se iniciar com o eu-lírico discutindo seu alcance poético no qual os versos por ele produzidos ironicamente o comunicam que não são de Cecília, Pessoa ou Drummond. Então, o eu-lírico nos avisa: não espere muito de mim./ O máximo, que mal consigo,/ é chegar a Antonio Secchin.

Ainda no tom metalinguístico, vemos no “Poema promíscuo” o mesmo viés de autoanálise, em versos de resposta à crítica que equivocadamente aponta em Secchin uma aproximação excessiva com o parnasianismo. Lemos: Disseram que voltei muito mecanizado,/ com ritmo correto, muita rima rica,/ que não tolero nada que seja aquilo/ que seja exatamente o que Bilac dita. Ao longo do poema, o eu-lírico nomeia de “pajé pujante em sua antiga taba” tais críticos que veem na poesia um cerco do antigo em prol do novo, e ao final novamente nos ensina que Pra cima da poesia não vale esse veneno,/ que já destila seu sabor de cianureto./ Enquanto a tribo grita “Por aí não passa”,/ passa um poema concreto ao lado de um soneto.

Em texto sobre a poesia de Ferreira Gullar, Secchin diz: Desdizendo-se para redizer-se, a poesia de Gullar não tem “centro”, “ponto fixo”, princípios imutáveis. Ao utilizar o signo Desdizer como título de sua poesia mais atual, Secchin, de uma forma ou de outra, expõe seu pensamento em trânsito e seu não compromisso com cercos e ideias fixas. O poeta permite o pensar sobre si e sobre sua obra, de modo a contrapor temas e estruturas (solenes e cotidianos), permitindo-se desdizer para, então, refazer-se.

Findo no “Poema saída”, Desdizer tem sua condução transitada (como sugerem os versos que iniciam e fecham o livro) pelo já dito viés metalinguístico, por outros poetas enquanto tema (“O espelho de Donizete”, “Uma prosa súbita”, “Lendo Luís Antonio Cajazeira Ramos”, “Vinicius revisitado”), pela cidade e seu tempo (“Poema para 2003”, “Língua negra, Rio 30 graus”, “Feliz ano novo”, “Cinzas”), e pelo olhar para si enquanto homem/ indivíduo/ cidadão e enquanto poeta que reflete seu fazer a partir da própria poesia (“Receita de poema”, “Linha de fundo”, “Autorretrato”, “Translado”) — permeados por um sensível e sofisticado senso de humor.

Lemos no irresistível “Disk-morte”, local ou interurbano, espécie de tom publicitário que permite, em forma de linguagem fático-telefônica, comprar a morte a preços módicos. Com apurada consciência formal (e por dentro irônica), diz: Para acabar com angústias e tormentos,/ conheça nosso lançamento inédito:/ basta ligar para o 0-800/ e compre a morte no cartão de crédito. Se a estrutura formal elaborada em decassílabos pode sugerir um aparente controle e equilíbrio do homem em relação à vida, internamente o riso diante da sugestão de finitude revela, decerto, a condição angustiada de nosso interior que, por vezes, só se permite expor via piadas ou memes autodepreciativos.

A poética de Secchin, porém, costuma iluminar mais o que é vivo na vida. “Carta aos pais” homenageia as bodas de diamante dos seus Sives e Regy, revelando-se espécie de anti-Kafka (diálogo que o título sugere) na relação saudável e terna entre o eu-lírico e seus progenitores. Se em dado momento, o poeta já disse que A poesia de Cabral nunca desistiu de ser também a poesia do João, o mesmo podemos dizer da poesia do imortal Secchin que nunca abriu mão de ser também a do Antonio, homem comum feito de carne e espanto. Sessenta vezes feliz inteiro, retomando o poema, é verso que lemos com o espanto da grande beleza. E pensamos “quem me dera ao menos meia dúzia!”; porque a vida é, mesmo em pedaços, nos pormos à mesa — e de inteira só a certeza do tombo, do erro. Porque se o mestre nos conduz por todos os ventos, no que não somos também nos vemos. E se nos indagarmos diante do espelho que só ensina a ruína do desejo, ouvimos: és vento que empurra, porque não sabe abraçar.

TUDO SÃO VARIAÇÕES DO ESPANTO

À parte de certo niilismo pós-moderno que por vezes impera na arte contemporânea, a obra de Secchin não abre mão da leveza e do bom humor de situações — profundas ou banais — que nos venham trazer alegria. Na seção “Dez sonetos desconcertados”, encontramos o “Soneto ao molho inglês”; nele vemos o eu-lírico pedir à mãe Um simples bife de patinho, ou chã alcatra,/ para este filho mal passado; eu pretendia/ passar a limpo o amor que sai pela culatra,/ e sem cessar me escapa nesta casa fria. Mais à frente, no “Soneto profundo”, o eu-lírico (ironizando a nossa constante busca pela eternidade da obra) decide empalhar o soneto para que, do alto da sala de visita, ele permaneça. Porém, repara o eu-lírico, De lá ele me exibe, com descaso/ o riso fundo de um soneto raso.

Misturando as tonalidades do humor leve e de reflexões mais profundas (postos lado a lado), vemos o “Soneto desmemoriado” iniciar dizendo que Aos noventa, a cabeça, convenhamos,/ não vale um piquenique em Paquetá. No descompasso de onde está e de onde se vê, este eu-lírico diz: No meu sonho aparece uma pessoa,/ cata no lixo os restos que eu vivi./ Nos sacos do passado que amontoa,/ o que é melhor de mim se escoa ali. Se o conflito mais irônico que nostálgico perpassa a ideia de passado, vemos nos “Soneto da boa vizinhança” (I e II) precisos recortes do presente por meio de versos-símile da fala popular que facilmente poderiam ser reconhecidos durante uma andança pelas ruas da cidade. Além da oralidade que perpassa tais poemas, ainda neles podemos reconhecer signos da vida cotidiana quando diz: O camarão custa os olhos da cara./ Frequento o Zona Sul, porém sou fã/ das grandes promoções do Guanabara.

Se encontramos o poeta, por exemplo,  na fila do Supermercado Mundial da Siqueira Campos, vale indagar: ele busca preencher a despensa ou o ideário? Em entrevista deste ano, Secchin revelou que temeu que a verve poética o tivesse abandonado (Desdizer vem após 15 anos desde sua última publicação de poesia). Mas a poesia não faz greve (a despeito do susto de seu não acontecimento ser visto como paralisação). Apesar de ser atividade essencial para a economia existencial do poeta, ela tampouco faz hora extra. No máximo cobra o excesso de quando surge com a necessidade de silêncio posterior. Ou vice-versa, como ocorreu com Secchin: após vários anos escrevendo poemas de modo esparso, foi em fluxo até então desconhecido que elaborou os poemas de Desdizer. Na mesma entrevista diz: Escrever dois poemas num dia, para mim, seria como um sedentário correr três maratonas. Era algo que estava fora do meu horizonte de realização. Mas aconteceu.

O recorte poético ungido também a partir das coisas que temos debaixo do nariz, das “coisas chãs” (expressão de Didi-Huberman), contribui para uma identificação geográfica e temporal do leitor com a matéria do poema. Tal recurso, muito utilizado na poesia dos anos 70 e retomado no contemporâneo,poderia aproximar Secchin de poetas menos dados à apurada consciência verbal que encontramos em seus versos. Recortar do agora a fim de obter um frescor na dicção é válido, porém a busca do novo apenas pelo novo, como é frequente em exemplos de hoje e de ontem, pode gerar o envelhecimento precoce do poema, além da sensação de mera prestação de contas com a contemporaneidade através de um ou outro signo datado.

Se a leveza muitas vezes é alcançada pelo humor, é preciso cuidar para não tomar alegria por inocência. Não há nada pior num autor do que a inocência. Permitindo que o leitor comum se aproxime e exerça a fruição do poema, a poética em questão alia a combustão da alegria e do humor (capturados no cerne do dia a dia) com estrutura sofisticada de composição — como também fez Vinícius de Moraes e faz, hoje, Paulo Henriques Britto.

A composição desse aspecto solar em Secchin se dá, portanto, de forma precisa e cadenciada (ritmada também pela boa condução do metro); não busca criar rompantes de riso no leitor por meio de tiradas ácidas — estilo poemas-pílula característicos de certa poética cuja qualidade por vezes alterna técnica e acaso.

Não se trata da diluição do impacto, mas de sua construção.

Talvez muitos poemas contemporâneos, à luz das teorias atuais sobre o valor da imagem, busquem excessivamente o nocaute, o punch final que arrebata o leitor — estratégia que, quando falha, gera a impressão final de um soco no ar, sem resistência, que mina o equilíbrio do poeta. A poesia de Secchin nos nocauteia quando já nos ganhou por pontos, poema a poema, apesar da quantidade não muito extensa de sua poesia completa.

Manuel Bandeira sugeria que o leitor não deve acreditar no poeta. É preciso que se acredite no poema — dizia. Um poeta pode fazer poemas mais fracos, menos consistentes, que se evanesçam com velocidade de raio. Já o poema atinge ou não atinge o alvo, é bem elaborado ou não. Desdizer é livro cujos poemas se sustentam em sua individualidade, porém adquirem ainda mais força quando lidos em sequência, entregando ao leitor uma poética cuja sucessão de golpes líricos desperta em nós um recôndito desejo de beijar a lona.

*Carioca de 1986, formou-se em Letras pela UFRJ em 2009 e é  autor dos livros A vulnerabilidade como procedimento (Patuá, 2018), Caroço (Patuá, 2013) e Tinta (Patuá, 2012).

Publicado em janeiro de 2018 no Pernambuco, suplemento cultural do Diário Oficial do Estado de Pernambuco (www.suplementopernambuco.com.br)

 

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