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UM HOMEM CHAMADO LIVRO

Sebastião Nery

No dia 28 de janeiro de 1938, Getulio Vargas escreveu em seu Diário (Editora Siciliano/FGV, vol. II, pág. 176): "À noite, procura-me a Alzira (a filha Alzira Vargas) dizendo que a mulher do livreiro José Olympio, que editara A nova política do Brasil (livro de Vargas em vários volumes), procurara-a chorando para dizer que o meu telegrama circular aos interventores, desaprovando a compra do livro, arruinava moral e materialmente seu marido.

Fiquei realmente penalizado, mas não podia voltar atrás, porque quem me prevenira que se estava fazendo exploração para forçar a venda do livro fora o interventor de São Paulo [Ademar]. Passei mal esta noite. Não pude dormir. Levantei-me e fui trabalhar até as três horas da madrugada. Excesso de fumo e café.

Até 1º de maio de 1942, quando o Diário se encerra, Getulio não toca mais no assunto. Como podia ter feito aquilo com quem continuou editando seus livros, inclusive a série "O governo trabalhista do Brasil"?

Getulio

O mistério só foi decifrado mais tarde. O jornalista Arlindo Silva, da revista O Cruzeiro, publicou reportagem, na edição de 19 de abril de 1947, sobre a administração de Ademar de Barros em São Paulo ("O governador presta contas"). Ademar tinha sido interventor de 1938 a 1941 e foi eleito governador para 1947 a 1951. Arlindo Silva reproduziu o recibo da Livraria José Olympio Editora, referente à venda de 5 mil coleções dos cinco primeiros volumes de "A nova política do Brasil", em 13 de dezembro de 1938, por 315 contos de réis.

Entre 28 de janeiro e 13 de dezembro de 38, Getulio, que não confiava em telefone (desde aquela época), deu um jeito de mandar pedir (ou ordenar) a Ademar que resolvesse o problema. Ademar resolveu.

José Olympio

Essa é uma das numerosas histórias e documentos de um livro-monumento, do incansável jornalista, pesquisador e também grande editor (da Topbooks) José Mario Pereira, sobre 60 anos (de 1931 a 1990) de pioneirismo de um "civilizador do Brasil", José Olympio Pereira Filho:

José Olympio – O editor e sua casa (Sextante). São 421 páginas, projeto gráfico do consagrado artista Victor Burton, primorosamente impresso, com centenas de ilustrações, fotografias, documentos e a capa dos principais livros editados por José Olympio em meio século (nasceu em dezembro de 1902 e morreu em maio de 1990). José Olympio foi sobretudo um liberal da cultura e da política, um homem sem preconceitos, aberto a todas as idéias e a todos os debates.

O pioneiro

Sua editora nasceu em plena efervescência do renascer cultural, ideológico e político do Brasil, no começo de década de 30, depois da Semana de Arte Moderna de São Paulo. E deu a principal contribuição.

Era um tempo em que Tristão de Athayde, padre Helder Câmara, Miguel Reale, Gustavo Barroso, Santiago Dantas, Octavio de Faria, Candido Mota Filho, Augusto Frederico Schmidt ajudavam Plínio Salgado a construir e comandar o integralismo, o mais poderoso movimento da direita intelectual e política do País, sob o lema "Deus, Pátria e Família".

Do outro lado, Pedro Ernesto, Anísio Teixeira, Gilberto Freyre, José Américo, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Rachel de Queiroz, Carlos Drummond, comunistas ou próximos a eles. José Olympio editou a todos. De Getulio a Sarney, todos os presidentes passaram pela "casa".

Plínio e Tristão

Logo no princípio da editora, no começo da década de 30, ele lançou pioneira e audaciosamente a coleção "Problemas políticos contemporâneos", inaugurada com O estado moderno – Liberalismo, fascismo, integralismo, de Miguel Reale (1934). Segundo livro: O sofrimento universal, de Plínio Salgado. Também dele, Despertemos a nação, Psicologia da revolução e No limiar da idade nova, de Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athayde), Panorama do Brasil, de José Maria Belo, A aventura política do Brasil, de Azevedo Amaral, Formação brasileira, de Helio Viana.

Em 1936, outra coleção: "Documentos brasileiros", dirigida por Gilberto Freyre, Otavio Tarquinio e Afonso Arinos. Primeiro livro: Raízes do Brasil, de Sergio Buarque de Holanda: 207 livros até 1989.
Em meio a esses, os grandes romances dos anos 30. José Américo, Jorge Amado (começou como vendedor), José Lins, Graciliano, Guimarães Rosa foram lançados por José Olympio, que fez os primeiros livros bonitos do País, com capas de artistas: Santa Rosa, Luís Jardim, Poty, Eugenio Hirsch.

Ombudsman

Não se cata carrapato em leão. Mas ombudsman é sempre um chato. Em mais de 400 páginas tamanho enciclopédia só encontrei um lapso, aliás desimportante, porque não é erro. Altino Arantes, "presidente" (governador) de São Paulo de 1916 a 1920, padrinho de José Olympio, lhe arranjou o primeiro emprego aos 15 anos na livraria Garraux, onde com 22 já era sócio.
Na ficha biográfica do padrinho Altino Arantes, está lá que ele foi governador de São Paulo de 1916 a 1920, deputado federal de 1921 a 1930, constituinte e deputado (PSD) de 46 a 51. Faltou um título: candidato a vice-presidente da República na chapa de Cristiano Machado (PSD) em 50, contra Getulio e Eduardo Gomes. Conheci-o alto, elegante, barbado e pimpão.
Naquela época, vice era eleito. Ele teve 1.649.309 de votos contra 2.520.790 de Café Filho (PTB-PSP) e 2.344.841 de Odilon Braga (UDN).

TRIBUNA DA IMPRENSA
20/10/2008

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