HONRA A UM
GRANDE EDITOR
J. C. Teixeira Gomes
O Rio foi palco, na semana
passada, de uma bela festa literária, com o lançamento
do livro José Olympio – O editor e sua
Casa, com texto do também editor José
Mario Pereira, responsável pelas belas e culturalmente
relevantes publicações da Topbooks.
Zé Mario, como é mais conhecido entre
os amigos, transformou uma abrangente pesquisa
num texto rico e minucioso, elaborando uma obra de imponente
feição gráfica, editada pela
Sextante, editora de familiares do homenageado, com
introdução do seu neto, Marcos da Veiga
Pereira.
As edições da José
Olympio marcaram minha geração. Éramos
o grupo de Mapa, reunidos em torno de Glauber Rocha
a partir de 1954 no Colégio Central. Sentado
na janela do seu quarto no apartamento dos Barris, perco
a conta do número de vezes em que Glauber leu
para mim, com sua voz abaritonada e emocionada, trechos
dos romances de Zé Lins, desnudando o mundo convulsionado
do cangaço, do misticismo do sertanejo e da miséria
da seca. Também foi através da J.O. que
ele leu a sociologia de Gilberto Freyre.
O novo livro sobre a vida e a obra
de José Olympio, em sequência àquele
que foi publicado pela neta do editor, Lucila Soares,
em 2006, é o mais completo sobre a trajetória
do paulista que se consagrou no Rio, unindo em torno
da sua editora uma notável legião de escritores.
De sua editora e também de sua livraria, na Rua
do Ouvidor, ponto de encontro diário da intelectualidade
não só do Rio como de todo o país.
Basicamente, José Olympio era um editor e aglutinador
de dimensão nacional, e não apenas,
como tantos outros, meramente carioca ou sulista. Na
verdade, ele foi até o maior divulgador da literatura
de autores nordestinos e nortistas, que enriqueceram
seu catálogo com obras definitivas, bastando
lembrar, sem rigor, José Américo, Câmara
Cascudo, Jorge Amado, Rachel de Queiroz, o já
citado Zé Lins, Peregrino Junior, Lêdo
Ivo, Gilberto Amado, Manuel Bandeira, Graciliano
Ramos e tantos outros.
O segredo do sucesso de José
Olympio está no fato de que ele era não
apenas um editor, mas um amigo dos escritores, cuja
atividade valorizou com rigor profissional. Não
sei se é o momento apropriado para fazer
esta confissão, mas devo dizer que eu, já
com dez livros publicados, em geral não
me dei bem com as editores que conheci. São na
maioria pessoas egoístas e imediatistas,
que não levam em consideração a
extrema relevância, no elo da produção
do livro, do seu mais importante agente, que é
o autor. Muitos ficaram ricos com a obra alheia mas
relutam em pagar direitos autorais. É prática
comum no Brasil, onde as edições continuam
a não ser numeradas por uma omissão generalizada,
pois até projeto já existe obrigando a
numeração. Resultado: o editado jamais
sabe quantos livros seus foram publicados.
Não poucos editores, menos
renomados, jogam com a inexperiência ou a vaidade
natural do autor, sobretudo o estreante, para inibi-lo
ou explorá-lo. Devo advertir que essa não
é apenas uma queixa minha. Numerosos amigos
escritores dizem a mesma coisa. Já houve brigas
feias, e até recentes, de um editado deixado
na mão após convivência de mais
de 30 anos. Jorge Amado sofreu decepção
igual. Quero registrar aqui uma evidência contundente:
reparem os leitores como é escassa no Brasil
a prática de os autores elogiarem ou dedicarem
suas obras aos editores, muito menos agradecendo, em
nota, as sugestões recebidas. Isto, que é
extremamente comum na Europa ou nos EUA, não
existe no Brasil.
Pois José Olympio era um amigo
do editado, tendo iniciado no Brasil a saudável
prática de antecipar pagamentos e comissões.
Outro mérito: a coragem de lançar autores
novos, ajudando a renovar a literatura brasileira.
Também a consciência de promover o produto
industrial que é o livro, lançando
mão de audaciosos processos publicitários.
Todas essas práticas inovadoras estão
registradas no texto com que José Mario
Pereira (já saudado por Wilson Martins como o
jovem editor brasileiro mais comprometido com a cultura
nacional) registrou a fecunda trajetória de José
Olympio Pereira, na mais justa das homenagens a
um editor que será sempre lembrado também
como um dinâmico promotor cultural. Não
é pouco no país dos editores culturalmente
omissos.
* J. C. Teixeira Gomes é
jornalista, poeta, escritor e membro da Academia de
Letras da Bahia
Jornal A TARDE
Salvador, BA
06/08/2008
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