BIOGRAFIA RELEMBRA
PIONEIRO EDITORIAL
Livro aborda José Olympio,
que teve importante papel na cultura brasileira do século
20 ao lançar obras da nata da literatura
Conhecida como a "Casa",
editora foi responsável por coleção
de Gilberto Freyre e protegeu escritores censurados
Marcos Strecker
Em época de magos, IPOs (abertura
de capital em bolsa), marketing viral e leilões
milionários de best-sellers que nem sequer foram
escritos, é um refresco o lançamento de
"José Olympio: O Editor e Sua Casa",
biografia de um dos pioneiros iluminados do mercado
editorial brasileiro. Mais que a memória de J.O.
(1902-1990), o livro que consumiu quase seis anos de
trabalho do autor e também editor José
Mario Pereira apresenta uma síntese da cultura
brasileira no século 20, incluindo a nata da
literatura nacional do início da década
de 1930 até o final dos anos 80.
No período em que o país
se modernizou, J.O. tinha consciência de seu papel
de formador. Ostentava no escritório, além
de um mapa do Brasil, um quadro com a máxima
de Monteiro Lobato, outro fundador da indústria
editorial ("um país se faz com homens e
livros"). Foi em São Paulo que J.O. começou.
Em 1934, transferiu a casa recém-aberta para
o Rio, na rua do Ouvidor, que virou "centro intelectual
do Brasil", na capital da República. Já
nos anos iniciais, J.O. conciliava opostos e costurava
a rede de contatos e interesses que permitiram a ele
construir uma editora de prestígio. Enquanto
publicava Getúlio Vargas, tentava tirar Graciliano
Ramos da cadeia. Ou então promovia a obra de
outro esquerdista encrencado com o Estado Novo, Jorge
Amado -que aliás trabalhou como vendedor da "Casa",
como era chamada a empresa. Oswald de Andrade, Mário
de Andrade, Rachel de Queiroz, José Lins do Rego,
Manuel Bandeira, José Cândido de Carvalho,
Carlos Drummond de Andrade e Guimarães Rosa são
apenas alguns dos nomes abrigados na editora.
Cânones
E não foi apenas na ficção
que J.O. imprimiu seu caráter "civilizador".
Ele publicou obras que se tornaram cânones, como
"Raízes do Brasil", o ensaio de Sérgio
Buarque de Holanda que inaugurou em 1936 a prestigiosa
coleção "Documentos Brasileiros".
A série era dirigida por Gilberto Freyre, que
assinou o prefácio do título inicial (a
oitava impressão de "Raízes..."
teve prefácio de Antonio Candido). A "Casa"
também inovou com o acabamento de luxo em coleções
que eram vendidas de porta em porta. E foi igualmente
revolucionária ao inovar na apresentação
gráfica, submetendo as edições
ao tratamento cuidadoso de ilustradores como Santa Rosa,
Poty (famoso pelas capas de Guimarães Rosa),
Eugenio Hirsch e Gian Calvi.
A refinada produção
visual contou ainda com a pena de Anita Malfatti, Athos
Bulcão, Portinari, Carybé, Cícero
Dias, Di Cavalcanti, Farnese de Andrade, Iberê
Camargo e Oswaldo Goeldi, só para citar alguns.
Para representar essa fortuna visual em edição
fartamente ilustrada, José Mario Pereira reuniu
o acervo original doado para a Biblioteca Nacional,
mas também complementou a coleção
com minuciosa pesquisa em sebos. O livro, que não
esconde a admiração do autor por J.O.,
traz como bônus alguns apêndices saborosos,
como o texto do secretário Sebastião Macieira,
que registra em linguagem protocolar a história
da empresa. Ou então o depoimento de Wilson Martins,
que narra o episódio da censura do Partido Comunista
a "Memórias do Cárcere", publicado
por J.O. com a subtração forçada
de partes escritas por Graciliano Ramos.
Há ainda o relato de Gilda
Oswaldo Cruz, que era incumbida de receber "sem
demora ou protocolo" qualquer desapadrinhado que
se considerasse escritor e desejasse submeter originais.
Ela relata o ocaso da editora (atualmente um selo do
grupo Record), quando afundava em dívidas e passou
a ser administrada por Geraldo Jordão Pereira,
filho de José Olympio. Outra "avis rara"
do mercado editorial, Pereira, que morreu este ano,
foi o fundador nos anos 90 da Sextante, editora que
publicou esta edição e é dirigida
pelos netos de J.O., Marcos e Tomás Pereira.
JOSÉ OLYMPIO: O EDITOR E SUA CASA
Autor: José Mario Pereira
Editora: Sextante
Quanto: R$ 150 (424 págs.)
Exposição: livros, documentos e
ilustrações que contam a história
da editora estão em exposição até
23 de agosto na Biblioteca Nacional (Espaço Eliseu
Visconti), rua México s/nº, fundos, Rio,
grátis.
Caderno Ilustrada
FOLHA DE S. PAULO
16/08/2009
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