À
SOMBRA DA HISTÓRIA
Wilson Figueiredo
Há mais do que coincidência e menos do
que interferência sobrenatural no que tradicionalmente
se considera fortuito. A diferença entre o editor
José Olympio e a editora José Olympio
já se restringe ao gênero do artigo definido.
Ficaram inseparáveis, sem nada a ver com coincidência
de qualquer natureza. Já era mesmo tempo de reunir
numa interpretação atualizada o editor,
a editora e a época. José Olympio:
o Editor e sua Casa, lançado pela Sextante
– com valioso texto do editor José Mario
Pereira e seis anos de planejamento – abre espaço
a reavaliações críticas e interpretações
destinadas a abastecer a celebração dos
200 anos da independência nacional em 2022.
É certo que não foi
coincidência que reuniu a Editora José
Olympio e o Brasil, que se proclamou revolucionário
em 1930 e chegou como ditadura a 1945. O tempo compactou
transformações econômicas, sociais
e culturais nas quais José Olympio Pereira Filho
teve papel importante na parte que lhe coube como empresário
editorial. Estava com 32 anos e a editora paulista engatinhava
aos três quando se instalaram na charmosa Rua
do Ouvidor 110, no Centro da Capital Federal. A República
inebriava-se com as idéias da época, a
Constituição de 1934 iria refleti-las
em parte. A aspiração de modernidade rondava
as cabeças, a industrialização
era compromisso, o espírito progressista moldava
a opinião pública. A República
Velha foi ficando para trás enquanto se armava
a sinistra tempestade internacional. De José
Olympio, o criador do Romance do Nordeste, mais tarde
Guimarães Rosa, o criador do regionalismo encantado,
diria que ele "abriu o caminho" novo para
os jovens escritores brasileiros (com a reedição
de A Bagaceira, de José Américo
de Almeida). Nascia o regionalismo para denunciar realidades
sociais de atraso e injustiça por todo o país.
José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, Graciliano
Ramos. Criava-se novo público leitor.
Em 1934 José Olympio trocou
São Paulo pelo Rio, trouxe irmãos e sobrinhos,
preencheu o espaço vazio e se expandiu nacionalmente.
Nos anos 40 e 50, somou uns 2000 títulos publicados.
Qualidade gráfica e estímulo às
vocações, ilustradores de talento, identificação
de novo público, pagamento adiantado de direitos
autorais pesaram favoravelmente num país com
insuficiente comércio de livros. Por intuição,
J. O. utilizou recursos e se antecipou às modernas
técnicas de mercado quando o país ainda
contava com 70% de analfabetismo numa população
de 30 milhões. A linha dos estudos batizados
de Documentos Brasileiros, com a direção
de Gilberto Freyre (passou depois a Octavio Tarquínio
de Souza e a Afonso Arinos de Melo Franco), supriu de
informação, reflexão e interpretação
um país ávido de futuro. Em meio século,
foram duzentos títulos, clássicos de nascença,
sobre o Brasil real para estrangeiros e brasileiros.
Era, enfim, no século XX, a contrapartida nacional
para o acervo de livros e gravuras dos viajantes estrangeiros
que fizeram o primeiro levantamento do Brasil apenas
para europeus.
O modernismo que libertou os poetas
das algemas (a rima e a métrica) e garantiu aos
prosadores a liberdade de aperfeiçoar a língua
portuguesa falada no Brasil, marcou as edições
da José Olympio e, ao mesmo tempo, poliu o leitor
para a modernidade. A José Olympio abrigou autores
de esquerda sem hostilizar a vertente de direita, que
teve em Plínio Salgado e em Getúlio Vargas,
com a edição de seus discursos na coleção
A Nova Política do Brasil, a contrapartida
acima (ou abaixo) de suspeitas.
Depois deste livro o Brasil poderá
continuar o mesmo, mas a José Olympio e o próprio
J. O., com todos os irmãos e sobrinhos, estarão
abrigados à sombra da História, a única
forma de sobrevivência comprovada. José
Mario Pereira montou uma história real mais fascinante
do que a lenda que já envolvia o editor. O painel
retrata o que o Brasil teve de melhor no que se entendeu
como proposta revolucionária em 1930 –
com todas as incoerências – mas que não
deixou de ser. O livro dá a medida aproximada
do que foi e do que pode ser o Brasil: o saldo de 4.850
edições e 1.743 autores brasileiros avaliza
a frase com que outro editor de outros tempos, Alfredo
Machado, proclamou José Olympio "o inventor
da profissão de editor".
JORNAL DO BRASIL
25/08/2008
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